• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 03:04:54 -03
    Ruy Castro

    Pelo telefone

    13/02/2017 02h00

    Folhapress
    O músico e compositor Donga no Rio de Janeiro
    O músico e compositor Donga no Rio de Janeiro

    Outro dia, o cantor Pedro Miranda subiu ao palco da Casa do Choro, na rua da Carioca, com o celular ao ouvido. Ao lado de Pedro Paulo Malta e Nina Wirtti, ele era um dos cantores convidados do Rancho Flor do Sereno - uma orquestra de 14 figuras dedicada à música dos anos de 1910, 20 e 30 - para uma série de shows com os arranjos de Pixinguinha para o Carnaval. O repertório, de polcas, maxixes e marchinhas, é baseado nas partituras originais ou, no caso das que se perderam, reconstruídas a partir de gravações da época.

    Artistas não deveriam falar a um celular num show. Pedro Paulo e Nina faziam gestos de desaprovação, e o próprio Pedro Miranda apontava para o aparelho como que dizendo, "Não tenho culpa, o cara não para de falar!".

    E assim ficou durante quase um minuto, enquanto a orquestra esperava que os cantores começassem. Finalmente, ele "desligou" o telefone e cantou: "O Chefe da Polícia/ Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca [e apontou para o Largo da Carioca, ali pertinho] tem uma roleta para se jogar...". A plateia entendeu e veio abaixo.

    Eram, claro, os versos iniciais de "Pelo Telefone", o samba amaxixado que o violonista Donga lançou no Carnaval de 1917, com letra assinada pelo jornalista Mauro de Almeida. Donga não sabia música, e quem cuidou do arranjo e da orquestração de "Pelo Telefone" para a gravação pioneira do cantor Baiano na Odeon foi Pixinguinha. O disco era precário e nunca fez jus à música. Mas escutá-la hoje, ao vivo, com a força com que era tocada nos clubes e coretos do Rio em 1917, é impressionante.

    Talvez "Pelo Telefone" mereça, afinal, ser o marco inicial dos 100 anos do samba, que decidiram comemorar neste ano.

    E que moderno que, em 1917, uma autoridade já usasse o telefone - ainda uma novidade - para propor uma mutreta.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024