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    Ruy Castro

    Humildes bagres brasileiros

    19/04/2017 02h00

    Caio Guatelli-21.ago.08/Folhapress
    ORG XMIT: 292301_1.tif O executivo Emílio Odebrecht, presidente da Cia Odebrecht, durante entrevista no restaurante Baby Beef, em Salvador (BA). (Salvador (BA), 21.01.2008. Foto de Caio Guatelli/Folhapress)
    O empresário Emílio Odebrecht

    RIO DE JANEIRO - Em 2007, o então presidente Lula foi chamado a um canto por seu parceiro Emílio Odebrecht, que se queixou de que o Ibama estava dificultando a concessão de licença ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. O Ibama alegava que as enchentes, os desbarrancamentos e o cimento despejado no rio Madeira, equivalente à construção de 40 Maracanãs, poriam em risco os bagres do rio. Emílio Odebrecht disse a Lula: "O Brasil precisando de energia e vai ser paralisado pelo bagre? O senhor precisa tomar uma decisão!".

    Lula entendeu a ordem e assumiu o discurso de Odebrecht, até nas menores inflexões. Pela posição de Lula a favor da usina e contra o bagre, a então ministra do Ambiente Marina Silva começou ela própria a desbarrancar e acabou saindo. Depois de muitos estudos e concessões dos dois lados, o Ibama concedeu a licença. A construção da hidrelétrica foi completada em fins de 2016, ao custo de R$ 20 bilhões e, calcula-se, R$ 80 milhões em propinas para muita gente boa. Já o bagre está pagando para ver.

    Apesar de sua importância para a população ribeirinha e o equilíbrio dos rios e igarapés da região, o bagre não tem prestígio político. Quando se trata de discutir os grandes problemas da Amazônia, seus colegas, o tambaqui e o tucunaré, têm lugar de destaque à mesa de reuniões da elite. O pirarucu, então, nem se fala —espalha os seus 200 kg numa poltrona na primeira fila. Ao bagre resta a companhia da piranha, outra marginalizada, no fundo da assembleia.

    Mas o preocupante na história é o que, graças às delações em curso, estamos sabendo agora —que Emílio Odebrecht só faltava dar ordens a Lula em questões de interesse nacional.

    Se as piores previsões se confirmarem, quem vai pagar pelo extermínio de milhões de humildes bagres brasileiros?

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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