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    Ruy Castro

    A grande cantora

    13/05/2017 02h00

    Claudemiro - out.1967/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 00-10-1967: Música: a cantora Elis Regina, durante apresentação em Festival de Música Brasileira, em São Paulo (SP). (Foto: Claudemiro/Folhapress)
    Elis Regina durante apresentação no Festival de Música Brasileira, em São Paulo, em 1967

    RIO DE JANEIRO - Finalmente assisti a "Elis", o filme de Hugo Prata sobre Elis Regina. Boa reconstituição de época, diálogos que de fato ecoam aqueles personagens —conheci todos eles e fui amigo da maioria— e grandes interpretações de Andreia Horta, como Elis, e Gustavo Machado, como Ronaldo Bôscoli. Mas o que mais me motivou a ver o filme foi constatar se ele fazia jus a determinado elemento que Elis, entre tantas coisas, introduziu na música popular. Com todo o respeito, as axilas.

    Os veteranos de 1966 se lembram bem. A moda eram os vestidinhos frouxos e curtos, presos no busto. A diferença é que Elis os usava sem mangas. E tinha de ser assim, para acomodar o formidável jogo de braços que ela aprendera com o dançarino Lennie Dale, no Beco das Garrafas, e do qual abusou naquela fase da carreira —a ponto de seu então desafeto Bôscoli a apelidar de "Hélice Regina". Ao levantar os braços para rodopiá-los e compor a apoteose de "Upa, Neguinho" —na época, tudo que Elis cantava terminava em apoteose—, a câmera e as primeiras filas eram tomadas por suas axilas, rigorosamente depiladas. Eram uma sensação.

    Antes e durante o reinado de Elis, muitas cantoras foram notáveis também por alguma característica além da voz —as mãos de Carmen Miranda, a pinta no queixo de Emilinha Borba, as curvas de Marlene, o rosto de Doris Monteiro, as bochechas de Dolores Duran, os olhos de Maysa, os joelhos de Nara Leão, as pernocas de Wanderléa, o nariz de Maria Bethânia, o umbigo de Gal Costa, o decote de Fafá de Belém. Mas só Elis teve as axilas.

    E, mesmo assim, por pouco tempo. Bôscoli, com quem ela se reconciliou e até se casou, foi quem a instruiu a usar o cabelo curtinho, valorizar o romantismo das letras e parar com aquela exposição de sovacos.

    Sem as axilas, surgiu a grande cantora.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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