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    Ruy Castro

    Supérfluo intocável

    17/07/2017 02h00

    Daniela Mercier/Daniela Mercier/Folhapress
    Grupo Palavra Cantada abre faixa em show na Virada Cultural de 2016, em São Paulo
    Grupo Palavra Cantada abre faixa em show na Virada Cultural de 2016, em São Paulo

    RIO DE JANEIRO - "Para que precisamos de um Ministério da Cultura? Melhor um bom ministro da Educação, para ter gente que lê, e depois falarmos de cultura. Cultura é a maneira que eu tenho de enriquecer o meu saber. Que saber eu tenho para ser enriquecido se vou tão mal na escola?", disse ao "Estado de S.Paulo" Pedro Herz, dono da Livraria Cultura.

    É preciso coragem para dar hoje essa declaração –32 anos depois de criado, o Ministério da Cultura ficou tão intocável no Brasil quanto o da Fazenda (quando, para o governo, o atual ou os anteriores, ele é menos importante que o da Pesca). Nada mal para um órgão que só foi criado porque, em 1985, o presidente eleito Tancredo Neves, ao armar seu governo, lembrou-se de que precisava dar um ministério a seu amigo José Aparecido de Oliveira. Donde inventou o da Cultura e escalou o querido Zé Aparecido.

    Mas Tancredo morreu antes da posse. José Sarney assumiu e, para não criar caso, manteve o ministério.

    Por aqueles dias, Aparecido cruzou na rua com o jornalista carioca Hermano Alves, grande gozador. Hermano exultou: "Parabéns, Zé! Ministro da Cultura! Você precisa ler um livro". "Ah, é? Qual?", perguntou Aparecido. Hermano fulminou: "Qualquer um!".

    Em maio do mesmo ano, ouvi para a Folha os sociólogos Octavio Ianni e Florestan Fernandes, o poeta Haroldo de Campos, o romancista Antonio Callado e o linguista Antonio Houaiss sobre a oportunidade daquele ministério. Callado foi radical: "Esse ministério é supérfluo. Com tantos analfabetos adultos e crianças, estamos preocupados com a superestrutura da educação, que é a cultura. Sou contríssimo". Ianni, Florestan e Haroldo fizeram-lhe coro. Quem gostou da ideia foi Houaiss –que, não por acaso, ocuparia o cargo no governo Itamar.

    Estou com Pedro. Se cuidarmos da educação, a cultura cuidará de si própria.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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