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    Ruy Castro

    A camisa do seu clube

    21/08/2017 02h00

    Stringer/AFP
    Cristiano Ronaldo tira a camisa para comemorar seu gol pelo Real Madrid
    Cristiano Ronaldo tira a camisa para comemorar seu gol pelo Real Madrid

    RIO DE JANEIRO -Outro dia, um jogador de um grande clube marcou um belo gol e saiu vibrando. Como se tornou normal nessa comemoração, tirou a camisa e jogou-a pela linha de fundo –como um cozinheiro que atira o avental sujo num canto da cozinha depois de um dia à beira do fogão. Todas as TVs mostraram. Nenhum locutor fez tsk, tsk. Fica estabelecido, portanto, que, apesar de custar um cartão amarelo, a camisa de um clube é algo para ser jogada fora, como um trapo inútil.

    Serve também para assoar o nariz, ao fim do jogo, antes da entrevista ao repórter. É levada com a mão ao nariz e este é colocado violentamente em erupção, com um som de ronco, seguido –calcula-se– de um derrame de mucos e defluxos que, por sorte, não chegamos a ver. É esta mesma camisa que costuma ser trocada com o adversário e, provavelmente, a do outro jogador virá assim também, viscosa. Somos todos uma grande família.

    E há ainda outro gesto comum entre os jogadores e suas camisas: o de enxugar com elas o suor do rosto. Mas, este, sim, é o mais nobre dos gestos. Se é para receber o produto do esforço do atleta que se entregou em campo por suas cores, nenhum pano –nem mesmo a bandeira do clube– será mais adequado para reconhecer tal dedicação. A camisa encharcada é a prova material de sua luta.

    Os clubes não gostam que os atletas tirem a camisa ao comemorar um gol, mas apenas porque isto os deixa mal com os patrocinadores –em vez de exibir a marca que ajuda a pagar seus salários, os jogadores preferem desfilar suas tatuagens ou depilações. E não me consta que algum dirigente já tenha repreendido um jogador por se assoar na camisa diante das câmeras.

    Nós, torcedores, preferimos quando o jogador faz o gol e sai beijando o escudo. Mesmo sabendo que, ano que vem, ele estará beijando o do inimigo.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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