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    Ruy Castro

    Contradições romanas

    14/10/2017 02h00

    Roma, Itália Embora não tenha recebido protestos recentemente como Veneza, Roma também tem tomado medidas para controlar o turismo em massa. Uma delas foi proibir o consumo de comidas e bebidas ao redor de suas famosas fontes, como a Fontana di Trevi. Entrar, sentar, dar de beber aos cachorros e jogar objetos (exceto moedas) na água também é proibido. Quebrar as regras pode resultar em multa de até 240 euros.
    A Fontana di Trevi, em Roma, cheia de turistas

    RIO DE JANEIRO - Um grande filme italiano de 1962, "Il Sorpasso" (no Brasil, "Aquele Que Sabe Viver"), de Dino Risi, começa com Vittorio Gassman rodando de carro pelas ruas de Roma, num feriado, pela manhã, à procura de um telefone público. Precisa ligar para a namorada, com quem marcou um encontro, para dizer que vai se atrasar. Mas, àquela hora, todos os botequins estão fechados. Por causa disso, ele conhece o estudante inexperiente, interpretado por Jean-Louis Trintignant, e os dois pegam a estrada, numa viagem sem igual para o jovem.

    Revi "Il Sorpasso" outro dia e ele continua fabuloso, mas duas coisas chamam agora a atenção. Primeiro, Gassman roda horas com seu Lancia Aurelia por uma Roma lindamente vazia. Em 1962, as cidades da Europa ainda mantinham uma relação orgânica com seus cidadãos. Não mais. Com as multidões de turistas que tomaram suas ruas, os moradores passaram a ter de disputar os serviços e praticar os preços pagos pelos visitantes. Não aguentam.

    O outro ponto notável do filme é Gassman desesperado à procura de um telefone. Os garotos nascidos no século 21 não entenderão o problema, porque não conseguem imaginar a vida sem celular. Mas assim eram as coisas naquele tempo —os telefones públicos eram poucos e ficavam em botequins. Quando os botequins fechavam, nada de telefones.

    Hoje, Roma é o palco de uma inédita contradição. Com sua história, arquitetura e lendas, atrai milhões de turistas por ano. Todos com telefone. E aí está a contradição.

    Nesta extraordinária cidade, em que, pelas placas nas fachadas, descobre-se que ali moraram Anna Magnani, Alberto Moravia ou o próprio Garibaldi, esses milhões passeiam por suas ruas concentrados no visor do celular —indiferentes ao fato de que, em cada frontão ou pilastra, há um César de olhos vazados os espreitando.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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