• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 20:34:06 -03
    Ruy Castro

    Bolha e careta

    16/12/2017 02h00

    AFP
    Quadro do desenho animado "Branca de Neve e os Sete Anões": Walt Disney's 1937 "Snow White and the Seven Dwarfs" is one of the original cells that will be auctioned at Sotheby's Animation Art Auction in New York 14 December. This original watercolor depicting Snow White dancing with Doc to the music of the band formed by the other six dwarfs is estimated to sell for 10,000 to 15,000 USD. AFP PHOTO/SOTHEBY'S*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
    Quadro do desenho animado "Branca de Neve e os Sete Anões"

    RIO DE JANEIRO - "Branca de Neve e os Sete Anões", o filme de Walt Disney, completa 80 anos e, pela primeira vez desde a estreia, em 1937, enfrenta uma saraivada de críticas à sua concepção –hoje considerada machista, degradante para a mulher e imprópria para menininhas que, no futuro, serão molestadas por tarados montados em cavalos brancos.

    E só porque, depois de tapeada por sua madrasta, a Rainha –que, transformada numa bruxa, deu-lhe a comer uma maçã envenenada–, Branca de Neve repousa lindamente morta num caixão de vidro até ser ressuscitada por um príncipe que, não se sabe como, sentiu-se no direito de beijá-la na boca. De fato, a ideia da donzela expectante, à espera do príncipe encantado, é um insulto à mulher moderna e dona de seu nariz.

    Bem, quero dizer que concordo com tudo isso e que desde tenra infância achei Branca de Neve uma pateta. Minha favorita sempre foi a Rainha e, toda vez que assisti ao filme, torci para que ela quebrasse aquele espelho míope que ousava desqualificar sua beleza.

    Há uma história com tintas de lenda sobre a produção de "Branca de Neve" que poderia tornar a personagem, digamos, mais "moderna". A menina em quem Disney teria se baseado para criar o rosto de Branca de Neve seria uma garota de sete anos, chamada Annie, que visitava casualmente o estúdio com sua tia, a cantora Ella Logan. Anos depois, essa garota se tornaria a supercantora Annie Ross, cuja carreira no jazz seria do balacobaco.

    Em 1949, Annie, que era branca, namorou o baterista negro Kenny Clarke, um dos inventores do bebop, teve um filho com ele e encarou o preconceito. Depois, ficou dependente de heroína. Por fim, teve um caso com o humorista maldito Lenny Bruce. Ou seja, se quisesse, Branca de Neve teria a quem puxar e não estaria sendo agora tachada, com razão, de bolha e careta.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024