Em 1981, Thomas Sargent e Neil Wallace publicaram o provocativo artigo intitulado "Some unpleasant monetarist arithmetic", demonstrando o perturbador resultado teórico de que, na ausência de uma política fiscal responsável, no médio prazo a política monetária sozinha não consegue estabilizar a inflação.
Por esse motivo é uma boa notícia que o setor público consolidado tenha produzido no ano passado superavit primário de 1,9% do PIB, ou R$ 91 bilhões. Em que pese o resultado ter contado com R$ 35 bilhões de receitas extraordinárias que não se repetem todo ano, o fato de a perda de receita fruto das diversas desonerações praticadas nos últimos anos representar renúncia fiscal ainda maior sugere que há espaço para uma rápida recomposição do superavit primário na casa de 2% ou pouco mais. Basta que haja a revisão da política de desoneração fiscal dos últimos anos.
Não que desonerar não seja importante. Entre as economias emergentes, somos campeões de carga tributária. No entanto desonerar sem que se tomem medidas que consigam alterar a taxa de crescimento do gasto público somente aumenta as dúvidas quanto ao futuro das contas públicas. Continuamos a observar taxas de crescimento do gasto público muito acima da taxa de crescimento do produto. Portanto, não apresentamos condições que permitam desonerações.
A gestão da política econômica cometeu um erro de cálculo em 2012. Considerou que a desaceleração da economia e o baixo crescimento representavam episódio cíclico. Concedeu as desonerações para estimular o crescimento da economia repetindo a acertada avaliação que fizera em 2009. O crescimento não veio. Ficamos com os ônus da política sem termos os bônus.
De qualquer forma, uma revisão das desonerações e o ajustamento dos preços da gasolina e da energia elétrica abrem espaço para um forte ajustamento fiscal. A casa será arrumada em 2015, mas não resolverá o problema da inconsistência de nosso contrato social, que requer sistematicamente crescimento da receita a taxas maiores do que o PIB.
Como já afirmei neste espaço, a revisão do contrato social requererá uma nova rodada de elevação dos impostos ou revisão dos programas sociais. A sociedade terá que se pronunciar.
De qualquer forma, seja por meio de receitas extraordinárias, ou pela revisão das desonerações, do controle tarifário e do preço da gasolina, ou, ainda, por meio de novas rodadas de elevação da carga tributária, vamos caminhando aos trancos e barrancos fechando nossas contas.
E a inflação? Se a situação fiscal se ajusta, a política monetária pode fazer o seu papel. Essa é a mensagem básica do texto de Sargent e Wallace. Temos a nossa própria aritmética monetária desconfortável. A inflação tem rodado na casa de 6% ao ano. Todas as previsões sugerem que fechará 2014 em valor próximo a esse. Ou seja, a inflação encontra-se 1,5 ponto percentual acima da meta.
Para que a inflação se estabilize, o juro real tem que ser da ordem de 4% ao ano. Essa é a estimativa do Ibre. Vários colegas estimam valores maiores. Inflação de 6% significa que a Selic nominal tem que ser de aproximadamente 10% para que o juro real seja o juro neutro de 4% estimado pelo Ibre.
Após a mais recente reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central elevou a taxa Selic para 10,5% – mais, portanto, do que os 10% de juro nominal neutro que calculamos no Ibre.
Qual é o impacto de 0,5 ponto percentual de juro nominal acima do neutro para reduzir a inflação? As estimativas mais otimistas sugerem que cada ponto percentual acima do neutro reduz a inflação entre o quinto e o oitavo trimestre em seguida à elevação dos juros em 0,4 ponto percentual.
Se a Selic ficar constante e na ausência de novos choques sobre a economia, o juro atual conseguirá colocar a inflação em 2015 na casa de 5,6% ao ano. Se não houver novos choques, a convergência para a meta ficará para meados de 2017!
Dado que 2015 será ano de ajustamento com forte inflação corretiva, em razão da recomposição dos preços controlados que estão represados, entende-se por que os analistas de mercado consideram hoje 10,5% de Selic insuficiente.
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.