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    Samuel Pessôa

    O mundo não explica o freio do Brasil

    20/04/2014 03h00

    Há algumas semanas o FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou a nova edição da publicação "World Economic Outlook", com sua análise sobre a situação econômica das economias, bem como as previsões para o crescimento no próximo ano.

    Soubemos que o FMI espera que a taxa de crescimento da economia brasileira em 2014 seja de 1,8%.

    O relatório que acompanha a base de dados suscita interessante e polêmico debate sobre a natureza da desaceleração recente da economia brasileira.
    Parece-me haver consenso de que três fatores explicam nossa redução de ritmo:

    1) desaceleração da economia mundial;

    2) esgotamento do fator trabalho em razão da forte queda da taxa de desemprego e da forte redução da taxa de crescimento da população em idade ativa;

    3) e, finalmente, alteração do regime de política econômica, que, na melhor das hipóteses, gerou ruídos entre o governo e o empresariado com impactos ruins sobre o investimento. Na pior das hipóteses, reduziu a taxa de crescimento da produtividade, respondendo, portanto, diretamente por parte da desaceleração.

    A dúvida que há refere-se aos pesos relativos de cada um dos três fatores. Como argumentei na coluna de 11 de agosto do ano passado, penso que a alteração do regime de política economia a partir de 2009 é responsável por um terço ou pouco mais da perda de dinamismo de nossa economia.

    Dado que o esgotamento do fator trabalho, na minha avaliação, explica outro terço ou pouco menos, concluo que dois terços de nossa desaceleração deve-se a fatores domésticos.

    Como apontado por Bráulio Borges em coluna nesta Folha na sexta feira retrasada, dia 11, o capítulo 4 do relatório do FMI tratou diretamente do tema. Chegou à conclusão de que a maior parcela pode ser explicada pelo ciclo da economia mundial. O mesmo resultado foi obtido pelo estudo "Global Recovery and Monetary Normalization", recentemente divulgado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

    Assim, estou em maus lençóis. Minha leitura é confrontada por dois estudos recentes de duas instituições de grande reputação.

    A tabela acima ilustra meu argumento. No governo Fernando Henrique Cardoso, tanto a América Latina quanto o Brasil cresceram pouco mais de um ponto percentual abaixo do crescimento mundial.

    No período Luiz Inácio Lula da Silva, passamos, América Latina e Brasil, a crescer ao ritmo do resto do mundo.

    No quadriênio de Dilma Rousseff, considerando as previsões do FMI, cresceremos 1,4 ponto percentual abaixo da economia mundial e 1,2 ponto abaixo da economia latino-americana.

    Note que, se considerarmos o período Lula excluindo o biênio 2009-2010, como documentado pela última coluna da tabela, a leitura não se altera.

    O que ocorreu com os estudos do FMI e do BID? Esses trabalhos empregam técnica estatística que procuram estabelecer relações entre variáveis ao longo do tempo. São técnicas em que é muito forte o peso de movimentos sincronizados entre as variáveis.

    Ora, além de os ciclos econômicos do mundo, das regiões e dos países serem normalmente sincronizados, essa tendência se fortaleceu tremendamente entre o quarto trimestre de 2008 e 2010, quando toda a economia global foi engolfada pela crise.

    É isso que faz, a meu ver, com que os estudos do FMI e do BID superestimem muito o impacto da desaceleração do mundo sobre as economias emergentes, inclusive a brasileira.

    Porém, como indiquei, ao analisar a trajetória do Brasil especificamente, nota-se que o país, mesmo acompanhando a dança da economia global, ficou para trás.

    Aliás, como explicar que a desaceleração da economia mundial tenha maior impacto sobre nossa economia do que sobre outras se somos uma das mais fechadas do mundo ao comércio internacional e usufruímos no período Dilma dos maiores níveis de termos de troca das últimas quatro décadas? Deixo essa questão aos economistas do FMI e do BID.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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