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    Samuel Pessôa

    A inflação é o âmago do debate

    27/04/2014 03h00

    Do meu debate com André Singer, a partir do seu artigo (5/4) que suscitou minha réplica (13/4) e uma tréplica (19/4), é possível delinear dois caminhos para lidar com os desafios socioeconômicos do Brasil contemporâneo.

    Mais do que uma nova rodada de argumentos, examinando ponto a ponto as alegações de André, gostaria de mostrar que a discussão aponta para duas visões profundamente distintas sobre o que é o melhor para a política econômica a partir de 2015.

    Primeiro, vamos aos fatos. O Brasil já não consegue crescer às taxas próximas de 4% anuais observadas nos oito anos do governo Lula.

    Também parece inegável, do ponto de vista econômico, que há um esgotamento do atual modelo de crescimento. O deficit externo está próximo de 4% do PIB, a inflação está na casa de 6% ao ano e deve terminar 2014 próxima -quiçá acima- do teto de 6,5% do intervalo de tolerância do sistema de metas.

    Adicionalmente há uma inflação reprimida de preços administrados que adicionará, no momento de sua correção, algo com 1,5 ponto percentual à inflação em 12 meses.

    E existe ainda a inflação de serviços, muito resistente à queda, rodando na casa de 8,5% há mais de três anos.

    Ainda no terreno dos fatos, houve fortíssima queda do superavit primário, que se reduziu de quase 4% do PIB em 2008 para pouco menos de 1% no biênio 2013-14, após excluirmos as receitas atípicas.

    Ou seja, a dificuldade do governo Dilma em garantir o crescimento da oferta de bens e serviços produziu expansão do consumo por meios não sustentáveis.

    Assim, a partir de 2015 teremos que ajustar a economia. Mais do que isso, teremos que administrar nosso conflito distributivo em situação externa que não será mais tão favorável. É nesse contexto que meu debate com André é ilustrativo. Há dois caminhos sugeridos, a meu ver.

    André propõe, diante da atual encruzilhada brasileira, elevar a carga tributária dos atuais 37% do PIB para algo próximo de 45% (estimativa minha a partir das suas propostas de aumento de despesas) e uma mudança drástica na política de combate à inflação, com o fim da possibilidade de o BC fazer política monetária autônoma para controlar a demanda.

    Ele diz que combater a inflação por meio da Selic é ruim, por trazer desemprego e diminuição de salários, e aposta na via do aumento do investimento produtivo.

    O caminho que proponho é muito diferente. De início, considero que a carga tributária já é elevada para um país com nosso nível de desenvolvimento socioeconômico.

    Mas minha maior divergência está na questão inflacionária. Para pessoas que pensam como eu, dados o desenvolvimento teórico e a evidência empírica de muitas décadas, a posição de André é simplesmente a de ser tolerante com a inflação.

    André parece considerar a aceleração da inflação um mal menor que o aumento do desemprego.

    Assim, só aceita formas de combate à inflação neutras em relação ao emprego.

    O desemprego de fato é muito ruim, mas a inflação também é. Ambos têm consequências sociais danosas e afetam de forma particularmente nociva os mais pobres.

    Assim, pior que uma elevação temporária do desemprego (que será tão menor quanto mais eficaz e crível for a ação de um BC independente) é a subida permanente da inflação, resultado líquido e certo, na minha opinião, se optarmos por só combater a alta dos preços pelo lado da oferta, como quer André.

    Além de a teoria econômica indicar que políticas de estímulo ao investimento em economias com aceleração da inflação não a reduzem -pois até a sua maturação o investimento aumenta a demanda como se consumo fosse-, há farta experiência mostrando que, de fato, a teoria está correta. No Brasil de 1950 a 1995, tentamos diversas vezes combater a inflação dessa forma. Foi assim nos anos JK, no 2º PND de Geisel e ao longo do governo Sarney. Nos dias de hoje, temos aí a Argentina e a Venezuela para indicar o que ocorre quando se desiste de controlar a inflação com políticas de demanda.

    Gerir o conflito distributivo com inflação só é mais civilizado do que guerra civil. No fim quem perde com ela são os mais fracos.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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