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    Samuel Pessôa

    O problema da baixa poupança

    15/06/2014 02h00

    Há duas semanas, participei da mesa sobre política macroeconômica e desenvolvimento industrial do seminário sobre a situação da indústria e o desenvolvimento produtivo no Brasil, na Fundação Getulio Vargas em São Paulo. Há grandes diferenças de visão de mundo entre os quatro participantes daquele painel - além de mim, meu colega do Ibre/FGV Nelson Barbosa; o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira; e o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro José Luiz Oreiro. Todos concordaram, no entanto, sobre a necessidade de elevação da poupança doméstica brasileira.

    Segundo a mais recente divulgação das contas nacionais trimestrais do IBGE, a taxa de poupança doméstica foi de 13,6% do PIB para os quatro trimestres findos em março de 2014. É um nível muito baixo.

    Países asiáticos nos períodos de rápido desenvolvimento apresentam taxas de poupança na casa dos 35% do PIB. A China chega aos excessivos 55% do PIB. Nossos pares da América Latina poupam acima dos 22% do PIB.

    Para os mesmo quatro trimestres findos no primeiro trimestre de 2014, a nossa taxa de investimento foi de 17,8% do PIB. Apesar de muito baixo, o investimento tem estado bem acima da poupança. Para financiar a diferença entre investimento e poupança, temos que contar com a poupança externa. Esta esteve, para aquele mesmo período, em torno de 4,2% do PIB (basta subtrair 13,6% do PIB de taxa doméstica de poupança dos 17,8% do PIB de taxa de investimento).

    O que exatamente significa taxa doméstica de poupança? A poupança é a parcela da renda dos brasileiros, gerada ao longo de um determinado período de tempo, que não foi consumida. Ela pode ter se transformado em investimento, público ou privado, ou ainda ter sido empregada na forma de exportação de poupança, que ocorre quando temos um superavit externo.

    Ou seja, a poupança não se refere à capacidade que o sistema bancário tem de gerar poder de compra para que o empresário invista. Esta é a poupança financeira, bem diferente da macroeconômica.

    Há duas leituras sobre a formação da poupança. A leitura pós-keynesiana a enxerga como um fenômeno eminentemente macroeconômico. A poupança é baixa porque os erros de política econômica produzem baixo crescimento e baixas taxas de investimento. A baixa poupança é resultado do baixo crescimento e do ciclo econômico.

    Para a visão neoclássica, a taxa de poupança de uma economia resulta dos incentivos microeconômicos. A poupança é em última instância um fenômeno institucional. De acordo com esta leitura, a diferença entre a baixíssima poupança do Brasil e a elevadíssima poupança da China, por exemplo, resulta, entre outros motivos, de a China não ter um Estado de Bem-Estar Social que garanta aos seus cidadãos aposentadoria e saúde pública, entre outros seguros sociais.

    A importância da poupança para a indústria, o tema do debate na FGV há duas semanas, segue da constatação de que sociedades mais poupadoras apresentam maiores valores da participação da indústria no produto.

    Se o analista acreditar que a indústria de transformação é um setor com características especiais para determinar o crescimento da economia, a maior participação da indústria no produto causará maiores taxas de expansão do PIB.

    Há dois possíveis motivos. Maiores níveis de poupança estão associados a menores níveis de consumo. Quem pouco consome demanda poucos serviços. Os serviços são intensivos em trabalho. A baixa demanda por serviços resulta em baixa demanda por trabalho e, portanto, baixos salários. Estes, por sua vez, implicam elevada lucratividade das empresas, e, consequentemente, altas taxas de investimento das empresas. O crescimento se acelera.

    Além disso, a tradição estruturalista considera que a indústria tem um efeito adicional sobre o crescimento, pois é o setor mais dinâmico e com maior capacidade de geração de progresso tecnológico.

    Apesar de ser muito cético em relação ao caráter especial da indústria, reconheço que a baixa poupança de nossa economia representa fortíssimo entrave ao seu desenvolvimento. Assim, é necessário entendermos melhor a natureza da baixa poupança e o debate acadêmico que há em torno de seus determinantes. Tema para futuras colunas.

    SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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