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    Samuel Pessôa

    Crescimento e poupança

    22/06/2014 02h00

    A coluna da semana passada tratou da formação da poupança. Nossa baixa taxa de poupança e suas implicações para crescimento, câmbio e participação da indústria no PIB foram objeto das cinco colunas de março. Falta esclarecer o leitor sobre as diferentes leituras do processo de formação de poupança.

    A leitura pós-keynesiana considera que a formação de poupança é um fenômeno essencialmente macroeconômico e causado pelo crescimento econômico.

    A narrativa pós-keynesiana da formação da poupança inicia-se com um bom manejo de política macroeconômica que resulta na aceleração do crescimento.

    A melhora das expectativas empresariais que segue da aceleração do crescimento mobiliza o "espírito animal" dos empresários que demandam crédito. O poder de compra carreado ao empresário pela intermediação financeira permite que ele invista.

    O investimento eleva-se e, com ele, há uma segunda onda de aceleração do crescimento, que ocorrerá quando os investimentos maturarem.

    Até esse ponto não há discordâncias entre economistas. Elas surgem quando o tema é a forma pela qual a decisão de gasto dos empresários soluciona-se agregadamente.

    A escola pós-keynesiana considera que quase sempre, para não dizer sempre, há capacidade ociosa generalizada na economia. Portanto, a elevação do investimento mobiliza recursos que estão desocupados. Antes mesmo do efeito acelerador do investimento sobre o crescimento —a expansão da capacidade produtiva—, a produção já se eleva pela ocupação da capacidade ociosa, o chamado efeito multiplicador.

    A elevação da produção decorrente da ocupação da capacidade ociosa, o efeito multiplicador, gera a poupança macroeconômica que financia o investimento do empresário. Ou seja, a decisão de investir automaticamente cria sua poupança.

    A escola de pensamento neoclássica faz dois reparos a essa leitura pós-keynesiana. Primeiro, se não houver ociosidade generalizada, a demanda do empresário ao investir —isto é, ao contratar projetos, adquirir máquinas e executar obras civis- pressionará o mercado de bens e serviços da economia, elevando a inflação. Esta foi a dinâmica macroeconômica, por exemplo, do período JK.

    Segundo, se houver um regime de política econômica que combata a aceleração da inflação, a solução ocorrerá por meio de elevação da absorção de poupança externa. Isto é, o aumento do investimento ocorrerá simultaneamente ao aumento do deficit externo. Esta dinâmica descreve relativamente bem o período Lula. A taxa de investimento elevou-se de 15 para 20 pontos percentuais (p.p.) do PIB enquanto que a taxa de poupança elevou-se de 15 para 17,5 p.p. do PIB.

    O problema é que o financiamento do investimento de forma inflacionária ou por meio de poupança externa não é sustentável. A economia ingressa em espiral inflacionária ascendente que termina com hiperinflação ou o ciclo termina em uma crise externa de balanço de pagamento; ou, ainda, em um pouco de cada. Somos doutores em ambas.

    A questão é sabermos os motivos de algumas sociedades conseguirem formas sustentáveis de financiamento da elevação da taxa de investimento que acompanha o processo de aceleração do crescimento, e outras, não.

    Para a tradição pós-keynesiana, erros de política econômica explicam essa incapacidade. Geralmente a política econômica permite que o câmbio real se valorize excessivamente e, adicionalmente, não consegue promover políticas microeconômicas que eliminem os gargalos que naturalmente aparecem ao longo do processo.

    Para a tradição neoclássica, se o câmbio fosse mais desvalorizado, a inflação teria sido maior. Além disso, a fonte dos desajustes entre o crescimento da taxa de investimento e da taxa de poupança está nos incentivos microeconômicos que fazem com que a porção da renda poupada, nos episódios de aceleração do crescimento, não seja suficiente.

    Para a tradição pós-keynesiana temos erros de política econômica. No mundo neoclássico, nossas dificuldades de sustentar ciclos longos de crescimento seguem da economia política —isto é, da dificuldade política de implantar instituições e incentivos que aumentem a resposta da poupança a surtos de crescimento— e, portanto, não têm solução simples.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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