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    Samuel Pessôa

    Tragédia no Mineirão e a Lei Pelé

    13/07/2014 02h00

    Passada a derrota, inicia-se a caça às bruxas. Todos procuram um culpado. De fato, esse esporte faz sentido. Uma tragédia desse tamanho é como acidente de avião. Ocorre em razão de uma soma de fatores, cada qual com seu quinhão de responsabilidade. Em última instância, nada isoladamente é responsável, apesar da associação de todos os fatores na forma e na ordem com que concorram como causa.

    Certamente havia problemas na armação do meio de campo e a escalação correta seria com Paulinho no lugar de Bernard. No entanto, no momento do anúncio no estádio, todos ficaram felizes com Bernard no lugar de Neymar.

    Também é verdade que a nova configuração da defesa, com David Luiz em posição trocada para a entrada de Dante, não funcionou. O primeiro gol, que abriu a porteira por onde passou a boiada de sete bois, deveu-se claramente a um erro de posicionamento da zaga.

    Outro fato indiscutível é que o excesso de sentimentalismo e a autoimposição de uma responsabilidade descomunal -alegrar o povo brasileiro- mais atrapalharam do que ajudaram. O time foi perdendo a alegria de jogar.

    Todos esses argumentos constituem sabedoria a posteriori. Nada disso estava claro antes do começo da Copa do Mundo, nem antes da fatídica semifinal. Outros fatores podem ser levantados. Nossos jogadores estão espalhados em diversos times, muitos deles em ligas de baixo nível técnico, o que comprometeu o rendimento.

    Ganhar a Copa das Confederações é uma verdadeira faca de dois gumes. Estimula que o time e a comissão técnica acabem congelando a foto de um ano antes da Copa. Os outros evoluem e nosso time se defasa.
    Um ponto que não tem chamado a atenção é que esta é a segunda Copa consecutiva em que temos um time fraco, com poucas estrelas.

    Neste ano temos Neymar, em 2010 não tínhamos nenhum fora de série. Mesmo em 1990, considerado um dos piores times que já levamos para uma Copa, tínhamos dois, Careca e Romário, que acabou não jogando, pois estava lesionado.

    Algo aconteceu. A capacidade do futebol brasileiro de gerar talentos reduziu-se muito. Penso que a Lei Pelé reduziu muito o estímulo dos clubes em formar jogadores. O fim da Lei de Passe faz com que o ganho que um clube tem em formar um jogador fora de série seja muito menor que no passado.

    A Lei do Passe funcionava da mesma forma que uma patente. O custo de desenvolver uma nova tecnologia é muito elevado. Se o custo de imitação for muito baixo, ninguém irá investir em pesquisa e desenvolvimento. A patente garante poder de monopólio por alguns anos, suficientes para que a empresa recupere o investimento.

    No futebol a Lei do Passe funcionava como esse monopólio. No caso da formação de jogadores de futebol, o desenvolvimento da tecnologia está associado ao processo de "achar" o craque e de desenvolver sua potencialidade.

    Achar o craque é mais difícil do que parece. O problema é que o craque não sabe que é craque, o olheiro não sabe e o técnico da escolinha não sabe. É impossível saber. Ser craque significa a pessoa ter um conjunto de características. Se uma delas falha, não temos mais o craque.

    O talento é importante, mas não é a única característica. É necessário, por exemplo, ter uma rápida capacidade de recuperação. Candidatos a craque, como Pedrinho, ex-Vasco e Palmeiras, não se desenvolvem, pois se contundem com frequência e têm recuperação muito lenta. Simplesmente não conseguem desenvolver o potencial, pois estão o tempo todo de molho.

    Ou seja, em uma escolinha de um clube de futebol há vários candidatos a Neymar que não vingam. E simplesmente não temos uma tecnologia que diga quem vingará e quem não vingará.

    O clube tem que investir em centenas de candidatos a Neymar para produzir um Neymar. Assim, quando acha um Neymar, tem que ser remunerado não somente pelo custo de formação do Neymar mas também pelo custo de formação da centena que não vingou.

    Esse é o problema. A Lei do Passe, com todos os seus problemas, era uma forma de abordar essa questão. Precisamos encontrar um substituto para a Lei do Passe. Aparentemente a legislação atual não estimula suficientemente o esforço de formação.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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