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    Samuel Pessôa

    O Brasil cresce pouco?

    03/08/2014 02h00

    As últimas revisões que fizemos no Ibre/FGV sugerem que o crescimento do Brasil em 2014 será de só 0,6%. Forte piora no cenário. Consolida-se um crescimento abaixo de 2% ao ano no quadriênio da presidente Dilma. Se o 0,6% se confirmar, o crescimento médio no primeiro mandato de Dilma será de 1,7% ao ano.

    Quatro anos não é pouco tempo. É difícil argumentar que somente fatores ligados ao ciclo econômico explicam esse desempenho.

    O debate público brasileiro tem alinhavado duas explicações para os motivos do baixo crescimento. Em geral, uma delas é preferida pelos analistas que apoiam o atual regime de política econômica, enquanto a outra é da predileção dos críticos.

    A coluna no "Valor" de quarta-feira passada do professor titular da UFRJ José Luís Fiori, bem como a entrevista dada no início de julho ao jornal "Brasil Econômico" pelo professor do Departamento de Economia da Unicamp Fernando Nogueira da Costa, são dois exemplos do primeiro ponto de vista.

    O segundo ponto de vista é bem expresso pelo conteúdo que tenho defendido neste espaço. É útil tentarmos entender as diferenças.

    O ponto de partida é lembrarmos que no período FHC crescíamos abaixo da economia mundial, mas acompanhávamos a América Latina. No período Lula, passamos a crescer aproximadamente no mesmo ritmo da economia mundial e da América Latina. No quadriênio de Dilma, cresceremos abaixo de ambos.

    O debate é se a América Latina é um bom grupo de referência para avaliarmos as possibilidades e o desempenho da economia brasileira.

    A argumentação de Fiori e de Nogueira da Costa é que as economias da América Latina não constituem um grupo de referência adequado para avaliarmos a nossa economia. O motivo é que a estrutura produtiva e a escala da economia brasileira são distintas da maior parte das economias latino-americanas.

    Além de sermos muito grandes, somos uma economia que completou a urbanização, a transição demográfica e a industrialização. Essas dinâmicas, que não são independentes, ocorreram ao longo das cinco décadas de 1930 a 1980. A transição demográfica se completa na segunda década deste século, com o fim do bônus demográfico.

    Ou seja, não faz sentido, segundo Fiori e Nogueira da Costa, compararmos o crescimento brasileiro aos de Chile, Peru e Colômbia, por exemplo, pequenas economias exportadoras de commodities.

    Para eles, o grupo de referência correto para avaliar as possibilidades de nossa economia são os países industrializados e grandes em termos absolutos. Esses países apresentam estrutura produtiva -isto é, participação na produção dos diversos setores (agropecuária, indústria e serviços)- semelhante à do Brasil.

    Ou seja, dado que os países maiores -incluindo EUA, Alemanha, França e Japão- crescem a 2% ao ano, o crescimento de 2% ao ano é o novo padrão normal de economias grandes em termos absolutos e, portanto, trata-se do nosso atual padrão normal. Dessa forma, não podemos considerar o 1,7% de crescimento na atual conjuntura como sendo pouco.

    Diferentemente dos dois autores, minha visão é que o fator mais importante para diferenciar as economias, do ponto de vista de bem-estar e do ponto de vista das possibilidades de crescimento, é a produtividade do trabalho.

    A hora trabalhada nos países latino-americanos produz de 1/6 a 1/4 da hora trabalhada nos EUA.

    Como argumentei ao longo de diversas colunas, penso que dois são os principais fatores que explicam a baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Primeiro, a péssima qualidade do sistema público de educação básica, e, segundo, a pior qualidade do marco institucional e legal.

    Como, em relação à América Latina, temos não só níveis semelhantes de produtividade do trabalho como grande paralelismo nas trajetórias de desenvolvimento histórico e institucional, além de dificuldades semelhantes em construir sistemas públicos de educação com qualidade, penso que os países da região formam um bom grupo de referência para olharmos nossa trajetória e nossas possibilidades.

    Por outro lado, considerar que 2% de crescimento ao ano seja nosso novo normal por ser o crescimento das economias do G10 representa aceitar normal que nunca reduzamos nossa distância de bem-estar com relação às economias desenvolvidas.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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