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    Samuel Pessôa

    Contração fiscal em 2011?

    23/11/2014 02h00

    A coluna de hoje trata de tema muito aborrecido, a política fiscal. Apesar de aborrecido, acompanhar a política fiscal é a forma mais eficaz de observar as mudanças nas agendas e nos objetivos da sociedade, bem como a evolução do poder de barganha dos diversos grupos que a compõem.

    Adicionalmente, a política fiscal faz parte do pacote maior de políticas macroeconômicas, que, incluindo as políticas monetárias, cambial e creditícia, é empregado para atingirmos o equilíbrio macroeconômico –isto é, pleno emprego com inflação na meta e equilíbrio externo, o que significa um deficit externo financiado de forma sustentável.

    Tema importante para o debate da política fiscal é entendermos melhor os impactos sobre a economia do ajuste fiscal promovido no primeiro ano do mandato da presidente Dilma Rousseff.

    Em recente artigo no jornal "Valor Econômico", Pedro Rossi, meu colega professor da Unicamp, afirma que "há evidências de que o forte ajuste fiscal de 2011 contribuiu para o baixo crescimento dos anos seguintes e, consequentemente, comprometeu a arrecadação".

    A preocupação é procedente pois sabe-se que parte importante da política fiscal, principalmente pelo lado da receita, responde ao ciclo econômico. Ou seja, em períodos de redução do crescimento é razoável que haja uma queda no superavit primário, enquanto em períodos de aceleração do crescimento deve haver uma melhora.

    Se a política econômica tentar neutralizar a piora no superavit primário em momentos de desaceleração, poderá agravar ainda mais a situação. Ao cortar gastos ou elevar impostos em momentos de esfriamento da atividade, pode retirar demanda da economia e, portanto, reforçar a desaceleração. A economia entra em uma espiral desinflacionária com desemprego em crescimento e preços em queda.

    De certa forma, essa é a situação que as economias da zona monetária do euro têm vivenciado.

    Meu colega Maurício Oreng, analista do Itaú-BBA, produziu uma série de impulso fiscal, que é justamente o impacto sobre o PIB da política fiscal –aumentos do deficit ou reduções do superavit ampliam a demanda, impulsionando o PIB, e vice-versa.

    Seu estudo considera que parte da trajetória da receita e da despesa responde automaticamente à própria evolução da atividade econômica. Trata-se de uma série de impulso fiscal que considera os efeitos sobre a política fiscal dos "estabilizadores automáticos", isto é, do fato de que o resultado fiscal melhora, com mais superavit ou menos déficit, em momentos de ritmo acelerado, e vice-versa.

    Segundo os cálculos de Oreng, houve de fato em 2011 contração fiscal de 0,9 ponto percentual (p.p.) do PIB.

    Para sabermos o impacto dessa contração fiscal sobre o desempenho da economia, é importante conhecermos o multiplicador fiscal para o Brasil. O multiplicador fiscal é o parâmetro que associa impulso fiscal ao desempenho da economia. Por exemplo, se o multiplicador fiscal for 1, a contração fiscal de 0,9 p.p. do PIB em 2011 explicaria uma desaceleração de exatamente o mesmo montante, 0,9 p.p..

    É aqui que a comparação do Brasil com a Europa atual não se apresenta. Aprendemos nos últimos anos que o multiplicador de economias com forte carência de demanda agregada, como a Europa hoje, é maior do que 1.

    Nas nossas circunstâncias, de juro real e inflação elevados e desemprego baixo, o multiplicador fiscal é inferior a 1, podendo, inclusive, ser negativo. Na melhor das hipóteses, isto é, caso o multiplicador fosse 1, se a política fiscal tivesse sido neutra, em vez de contracionista, em 2011, teríamos crescido 3,6%, em lugar de avançarmos 2,7%.

    No entanto, parece muito difícil sustentar que o ajuste fiscal de 2011 tenha sido responsável pela desaceleração da economia. Por um lado, o impulso fiscal negativo de 0,9 p.p. do PIB de 2011 compensou o impulso fiscal positivo de 1,7 p.p. do PIB de 2010! Por outro, o impulso fiscal passou a ser positivo em 2012 e 2013, respectivamente em 0,5 e 0,7 p.p. do PIB.

    Para entendermos a desaceleração da economia brasileira no quadriênio de Dilma teremos que olhar para outro lugar que não seja a política fiscal.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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