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    Samuel Pessôa

    Produtividade sistêmica ou individual?

    DE SÃO PAULO

    08/02/2015 02h00

    Em artigo publicado na terça-feira passada, no jornal "Valor Econômico", Paulo Gala defendeu o ponto de vista de que a queda da taxa de crescimento da produtividade deveu-se ao padrão de especialização setorial do crescimento econômico no primeiro quadriênio de Dilma.

    O argumento de Paulo é que a criação dos empregos nos últimos quatro anos ocorreu em empregos cuja produtividade intrínseca é baixa, como garçons, manicures, motoristas e outras ocupações no setor dos serviços. O baixo crescimento da produtividade resultaria de criação de ocupações de baixa produtividade.

    A ideia de que a produtividade depende da ocupação, e não das características do trabalhador, não consegue explicar por que há garçons que ganham muito mais do que outros, o mesmo valendo para médicos, professores, manicures etc.

    De maneira geral, a ideia de que a produtividade é específica à ocupação conflita com os elevados retornos associados à educação, característica embutida no trabalhador, e não na ocupação.

    Naercio Menezes Filho, professor do Insper e especializado em mercado de trabalho, enviou-me tabulação da Pnad que mostra que, para um dado setor de atividade, o trabalhador mais educado recebe salário maior. Ter curso superior eleva em média a renda de um trabalhador em 83% em comparação ao trabalhador com ensino médio completo.

    Em 25 setores de atividade, o único no qual não há um prêmio de salário associado a ter curso superior foi o emprego doméstico. Uma possível explicação, com a qual Paulo concordaria, é que, para essa atividade, a educação não desempenha papel relevante. Outra intuição, mais cara aos meus pontos de vista, é que pessoas com curso superior em emprego doméstico provavelmente tiveram educação superior de baixa qualidade. Tema para pesquisa futura.

    De qualquer forma, há evidência contundente de que a qualidade da educação importa. O trabalho "Education Quality and Development Account", recentemente publicado na prestigiadíssima "Review of Economic Studies", documenta que o prêmio de educação para imigrantes de diferentes países que trabalham nos Estados Unidos, mas que estudaram em seu país de origem, varia muito. E essa variação é muito bem explicada pelo desempenho dos respectivos sistemas educacionais em testes padronizados internacionais de proficiência.

    Um trabalhador mexicano com ensino médio completo adquirido no México ganha no mercado de trabalho americano menos do que um trabalhador coreano com ensino médio completo adquirido na Coreia do Sul. Adicionalmente, essa diferença está associada à diferença de desempenho dos alunos mexicanos em comparação aos alunos sul-coreanos em testes internacionais de proficiência.

    Outra evidência contundente de que a produtividade não é um atributo setorial resulta da literatura recente em crescimento econômico, que documenta haver diferenças enormes de produtividades entre países, mesmo após controlarmos por subsetores de atividade.

    Em trabalho publicado em 2009 na também prestigiadíssima "Quarterly Journal of Economics", Chang-Tai Hsieh e Peter Klenow documentaram que a produtividade da indústria chinesa ou indiana é muito menor do que a da indústria americana, mesmo comparando subsetores em nível muito elevado de detalhe, com diferenciações como entre a indústria que produz móveis de escritório e a que produz móveis de escritório de madeira.

    Mesmo nesse nível de detalhe, isto é, separando setores num classificação de quatro dígitos, há grandes diferenças de produtividade entre os países. Os autores documentam também que a diferença de produtividade deve-se ao fato de haver um grande número de fábricas pouco produtivas na Índia e na China. As mais produtivas têm nível muito próximo de produtividade nos três países.

    A produtividade do trabalho depende de inúmeros fatores. Alguns deles –por exemplo, a educação– são específicos aos indivíduos. Outros são sistêmicos. Por exemplo, instituições e regras que dificultam a realocação do trabalho das fábricas menos produtivas em direção às mais produtivas. Certamente a produtividade não é um atributo setorial.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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