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    Samuel Pessôa

    Um sonho intenso

    10/05/2015 02h00

    Imperdível o documentário "Um Sonho Intenso", de José Mariani, em cartaz nos cinemas. Apresenta a evolução econômica do país dos anos 1930 até agora.

    A abordagem do documentário é simpática à estratégia nacional-desenvolvimentista que liderou a formulação das políticas públicas desde os anos 1930 até o fim da década de 1970.

    A estratégia conhecida por nacional-desenvolvimentismo, cuja matriz teórica é o estruturalismo latino-americano de Raúl Prebisch e Celso Furtado, considerava que o subdesenvolvimento dos países latino-americanos era a contrapartida do desenvolvimento das economias centrais. Éramos pobres porque eles eram ricos.

    Atingir o desenvolvimento requereria a alteração da especialização produtiva da economia, devendo-se produzir domesticamente tudo o que fosse possível. O papel da política pública seria garantir os estímulos e a proteção necessários à produção local, sobretudo da indústria.

    Evidentemente alguma coisa falhou, e essa reflexão o documentário não faz. No início dos anos 1980, éramos economia praticamente autossuficiente em tudo –nossa pauta de importação consistia somente de trigo, petróleo e química fina– e, no entanto, continuávamos subdesenvolvidos.

    A escola neoclássica atribui o desenvolvimento a outros fatores. Para ela, é fácil entender o fracasso do nacional-desenvolvimentismo na economia e no social.

    Para a visão neoclássica, o desenvolvimento é fruto de instituições que alinham incentivos privados aos retornos sociais das ações dos agentes econômicos. Por exemplo, ir para a escola tem elevado retorno social, pois aumenta muito a produtividade do indivíduo e da sociedade, mas é difícil haver mercado de crédito para financiar a educação de forma privada. Justifica-se, portanto, a intervenção estatal para a provisão de ensino fundamental público de qualidade.

    Por outro lado, a corrupção gera rendas a indivíduos sem aumentar a produção da sociedade. Boas instituições estimulam a educação e desestimulam a corrupção.

    No trecho dedicado à década de 1950, mostra-se a construção de Brasília, o largo sorriso de JK, mencionam-se a bossa nova e as conquistas esportivas. Não destaca a ênfase da política pública na distribuição de benefícios públicos a grupos privados, os seguidos desequilíbrios fiscais e a permanente carência de poupança doméstica que fazia com que os surtos de crescimento sempre terminassem em inflação elevada e crise externa.

    A omissão é chocante se lembrarmos que os países de desenvolvimento recente do leste asiático, como Japão, Taiwan, Coreia do Sul e mais recentemente China, caracterizam-se por taxas elevadas de poupança domésticas, com índices igualmente cavalares de poupança familiar.

    Também não há menção ao nosso cavalar atraso educacional e ao fato de que, na década de 1950, 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. Em um período no qual a taxa de crescimento populacional era de 3% ao ano!

    Desnecessário dizer que a tragédia social que se abateu a partir dos anos 1980 –favelização, deterioração dos espaços urbanos e escalada da criminalidade– constitui a herança maldita daquele período.

    Os mesmos países do leste asiático apresentaram uma notável evolução nos indicadores de educação, com invejável qualidade. A melhora da educação nesses países antecede o seu maior crescimento econômico. Desenvolvimento começa com escola.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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