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    Samuel Pessôa

    Ideologia ou economia política?

    26/07/2015 02h00

    No mais recente relatório de conjuntura do Ibre, revisamos o desempenho do PIB em 2015 de retração de 1,8% para queda de 2,2%; e o de 2016, de crescimento de 0,5% para recuo de 0,1%.

    Ajuste tão custoso deve-se ao fato de os governos não terem atacado desequilíbrios estruturais de nosso "contrato social" —o conjunto de regras de elegibilidade e valor de benefícios que requerem que o gasto público cresça anualmente 0,3 ponto percentual do PIB há 23 anos— bem como os erros da nova matriz econômica, vigente de 2009 a 2014.

    A nova matriz econômica foi um regime de política econômica que elevou o intervencionismo estatal na macroeconomia e na microeconomia para acelerar o crescimento.

    Na macroeconomia, as medidas foram: atuar pesadamente no câmbio para impedir valorização excessiva da moeda; flexibilizar a meta de superavit primário até o ponto de colocar em risco a solvência do Tesouro Nacional, situação em que nos encontramos agora; reduzir pesadamente a transparência da política fiscal com contabilidade criativa e, mais recentemente, pedaladas; aceitar que a inflação se estabilizasse por muitos anos no limite superior da banda de tolerância do regime de metas de inflação.

    No campo microeconômico, as medidas foram: já a partir de 2003, enfraquecer o papel das agências reguladoras e alterar completamente o Plano de Negócios da Petrobras, elevando pesadamente seus investimentos no refino; tentar, pela terceira vez em 60 anos, refazer a indústria naval, cometendo quase todos os erros do passado; alterar o marco regulatório do pré-sal; política de desoneração da folha de salários para estimular a indústria; política de controle de preços para tentar impedir a aceleração da inflação; fechar ainda mais o setor automobilístico ao comércio internacional; hipertrofia dos bancos públicos com empréstimos do Tesouro à CEF, ao BB e ao BNDES de mais de R$ 350 bilhões; políticas generalizadas de conteúdo nacional, sem análise dos custos e implicações para os demais elos da cadeia produtiva; desastrada intervenção no setor elétrico etc.

    O elenco de medidas evidencia o absurdo da nova matriz econômica. O próprio grupo político que a implantou paga elevado custo. Nesse sentido, é corretíssima a expressão da revista "The Economist" de que nossos problemas foram autoinfligidos. Boa parte da queda de popularidade do PT foi autoinfligida.

    A questão intrigante é saber: por que motivo o governo foi procurar sarna para se coçar? O regime de política econômica que Palocci herdou de Malan estava funcionando bem. Por que inventaram moda?

    Grupos de pressão não foram decisivos para a alteração do curso de política econômica em 2009. Também o eleitor mediano, por meio do Congresso, não pressionou pela alteração. A chamada "economia política" não explica a mudança.

    Tudo indica que alteração tão profunda do regime de política econômica tenha sido obra dos intelectuais e economistas petistas. Ou seja, com a melhor das boas intenções, essas pessoas promoveram a alteração do regime de política econômica que cavou o buraco no qual nos encontramos. Em mais um exemplo de que de boas intenções o inferno está cheio, o que pesou na ruinosa escolha foi a ideologia.

    Ao longo do semestre voltarei ao tema, para investigar as motivações e as bases teóricas dessa alteração da política econômica de tão graves consequências.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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