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    Samuel Pessôa

    Fratura na Democracia

    06/09/2015 02h00

    Antonio Prata escreveu que não entende as pessoas baterem panela contra o petrolão e não baterem contra o trensalão paulista. Argumentei que o tratamento assimétrico é natural em razão das enormes responsabilidades do PT, há 12 anos e meio no poder, e de o conjunto de provas do petrolão ser muito mais sólido.

    Evidentemente o PT não é responsável por todos os nossos problemas. Há algumas semanas publiquei artigo no caderno "Ilustríssima" ("O ajuste inevitável", com Marcos Lisboa e Mansueto Almeida) exatamente sobre nossos problemas fiscais estruturais.

    De qualquer forma, há de reconhecer que a difícil situação econômica que vivemos, só comparável à recessão do Plano Collor, é responsabilidade direta de escolhas feitas pela equipe econômica de 2009 a 2014.

    Já a assimetria do conjunto probatório dos escândalos petistas, muito mais farto em comparação aos casos tucanos, deve-se, segundo Prata, à forma assimétrica com que as instituições de controle do Estado, Ministério Público e Polícia Federal, investigam os escândalos petistas em comparação aos tucanos.

    Penso que não há esse tratamento assimétrico. Impossível saber quem tem razão. Só o olhar histórico permitirá resolver a questão.

    A leitura de Prata, de que há viés contra o PT na forma de funcionamento das instituições de controle do Estado e, possivelmente, da imprensa, é compartilhada pelos petistas e pelos simpatizantes do governo petista.

    Dessa forma, a democracia brasileira apresenta uma fratura. Nossa democracia é um campeonato em que um dos clubes tem certeza de que o juiz é ladrão e rouba sistematicamente contra si.

    Qualquer pessoa que já assistiu a um jogo de futebol em que um dos times tem certeza de que o juiz foi comprado pelo outro time sabe o tipo de disfuncionalidade que essa percepção, independentemente de ser verdadeira ou não, acarreta ao jogo.

    Todo conjunto de regras é incompleto. Impossível colocar no papel todas as contingências. Há sempre áreas cinzentas. Se não houver o entendimento de que as regras são justas e simétricas, aquele que se sente prejudicado começa a operar nas zonas cinzentas das regras.

    Foi exatamente isso o que ocorreu no ano passado. A campanha absolutamente violenta e mentirosa da presidente Dilma Rousseff, como nunca se viu nesse país, foi motivada pelo sentimento de perseguição do PT. O fortíssimo desequilíbrio das contas públicas -pedaladas e contabilidade criativa, que contribuíram para nos colocar na atual situação fiscal calamitosa e que, provavelmente, levarão à perda do grau de investimento em 2016- foi em parte motivado pela vitimização do PT.

    Os demais políticos não petistas, de oposição ou situação, dado que não têm a leitura de que o PT é perseguido, leem a esticada de corda do partido e a atuação nas zonas cinzentas de nossa democracia como sinal de tendência hegemônica e autoritária. Filmes que circulam na web com o presidente do PT sendo recebido na Venezuela em congressos chavistas reforçam a percepção.

    Essa leitura é agravada por anos de gestão de nosso presidencialismo de coalizão em que a tônica foi o varejão no dia a dia da política, em vez da negociação baseada em programas e compartilhamento de poder.

    No momento que temos de renegociar os problemas estruturais de nosso contrato social, a conversa fica difícil.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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