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    Samuel Pessôa

    Processo de impedimento

    13/12/2015 02h00

    O processo de impedimento da presidente andou. Três questões parecem-me relevantes: a legitimidade, as consequências para o funcionamento da democracia e as implicações para a economia.

    A presidente Dilma Rousseff foi eleita com um programa oposto ao que pratica. A presidente é legítima, pois os ritos processuais foram observados. Mentir para ganhar eleição é permitido. Em democracia, a legitimidade é processual. O mesmo se aplica ao processo de impedimento. Todos os ritos -inclusive o elevado poder de reformar decisões do Congresso, relativas ao processo e ao mérito, que tem o STF- têm sido observados.

    Adicionalmente, a lei que tipifica o crime de responsabilidade tem redação muito ampla, aceitando muitas interpretações. O processo de impedimento da presidente Dilma é legítimo.

    Muitos alegam que processo de impedimento sem uma acusação que criminalize a presidente na pessoa física representa grave risco ao funcionamento de nosso sistema político. A abertura de um processo de impedimento nessas condições banalizaria o instituto, que passaria a ter a natureza do voto de desconfiança de um primeiro-ministro em sistema parlamentarista, descaracterizando nosso presidencialismo.

    Adicionalmente, haveria o efeito colateral de inviabilizar qualquer política de ajustamento macroeconômico, pois as suas consequências ensejariam o impedimento do presidente.

    Discordo desse ponto de vista. Todo sistema político é um conjunto de regras. Vários modelos são possíveis, além de eles poderem se alterar ao longo do tempo. A "pureza" de um sistema político não é um valor em si, não sendo, portanto, um bem a ser preservado. Este debate precisa ser puramente pragmático.

    Considero que a motivação do impedimento é a percepção de parte considerável dos políticos -o processo indicará a extensão dessa percepção- de que a presidente perdeu toda condição de governar. A profundidade do estelionato eleitoral, a perda de popularidade e a visão de boa parcela dos políticos de que o PT representa projeto hegemônico e autoritário provocaram o início do processo.

    Dilma está sendo punida não pelo ajustamento macroeconômico que está tentando implantar sob a liderança do ministro Joaquim Levy, mas pela profusão de mentiras que a mudança de rota na economia significou.

    Creio que a abertura do processo de impedimento da presidente nessas condições contribuirá para melhorar a qualidade das campanhas nas futuras eleições, bem como para reforçar a responsabilidade fiscal. Ficará mais arriscado pedalar as contas públicas.

    O impedimento da presidente deve melhorar muito a gestão da política -Temer construirá base de sustentação bem mais coesa e menos ideologicamente heterogênea-, mas a simples troca de guarda no Planalto não solucionará nossos problemas fiscais estruturais. Não fará aparecer 4% do PIB no caixa do Tesouro.

    Haverá lua de mel com Temer, após a qual teremos de nos defrontar com a complexidade da nossa pauta política: idade mínima na Previdência, desindexação do salário mínimo, aumento de carga tributária etc.

    No entanto, parece-me que o resultado mais provável do processo de impedimento será a manutenção de Dilma. Difícil imaginar que com a caneta de presidente ela não consiga 1/3 da Câmara.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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