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    Samuel Pessôa

    Taxistas ludistas

    07/02/2016 02h00

    Na segunda década do século 19, ocorreu na Inglaterra o movimento ludista, que pregava a destruição das máquinas. Elas empregavam novas tecnologias que aumentaram muito a produtividade do trabalho —estávamos em plena Revolução Industrial-, mas também alteraram a remuneração de diversas profissões.

    O economista austríaco Schumpeter cunhou a expressão "destruição criadora" para descrever a capacidade que o progresso técnico tem de, ao mesmo tempo em que promove o crescimento de longo prazo das sociedades, deixar pelo meio do caminho mortos e feridos.

    A cidade de São Paulo testemunha movimento ludista, na reação de motoristas de táxi contra a empresa Uber. Novas tecnologias que permitem o encontro entre o demandante de uma corrida de transporte na cidade e um ofertante somam-se à capacidade da empresa que administra a atividade -no caso, o Uber, mas pode ser qualquer outra- de controlar a qualidade do serviço e as credenciais do ofertante. Com isso, desaparecem os motivos tradicionais para a regulação vigente do serviço de táxi, que se torna desnecessária.

    Resta o interesse dos proprietários dos alvarás de operação de táxi na cidade -muitas vezes não o taxista, mas empresa que contrata diversos motoristas que pagam diárias- de que não haja perda de valor de mercado da licença, em razão da quebra de monopólio promovida pela revolução tecnológica.

    No entanto, é importante frisar, a nova tecnologia não tornou desnecessária por completo a regulação do serviço. Ela justificava-se, pois, na ausência de regulação e de alguma barreira à entrada, ocorreria excesso de táxis na rua, com queda da qualidade do serviço, redução da taxa de ocupação e elevação do preço da tarifa. Esses efeitos foram observados em cidades americanas que passaram por um processo de liberalização do serviço de táxis nos anos 1970 e 1980.

    A prefeitura se adiantou aos fatos e propôs um decreto regulando o "uso intensivo do viário urbano no município de SP para exploração de atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros (...)". A ideia é que as empresas, como o Uber, que desejarem ofertar o serviço adquiram periodicamente na prefeitura direitos de circulação pelo viário urbano válido ao longo de um intervalo de tempo.

    A cobrança pela prefeitura funciona como uma espécie de pedágio urbano, que é a maneira mais correta de enfrentar o problema dos congestionamentos. Com as novas tecnologias, os preços cobrados pela prefeitura à empresa e pelo prestador do serviço ao usuário podem ser discriminados por local e horário, de acordo com o maior congestionamento no local e o horário de prestação do serviço. Quanto maior o congestionamento, maior o preço.

    Um dos temas que não estão totalmente claros é a melhor forma de coexistência entre o modelo Uber e o modelo tradicional de táxi, cuja regulação é por barreira à entrada, quantidade fixa de alvarás e cobrança fixa por quilômetro.

    O ideal, talvez, seja haver a opção de o táxi poder operar no modelo Uber. Evidentemente, para que isso ocorra, a nova regulação teria de ser aplicada não somente para os serviços ponto a ponto previamente combinados entre prestador de serviço e usuário, como ocorre com o atual decreto.

    O tema é complexo e a prefeitura está correta em se adiantar aos fatos, não ceder à chantagem dos monopolistas e se abrir para os novos tempos, como é típico de nossa cidade.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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