O impedimento da presidente será benéfico ao país. Esta é uma opinião. Muita gente boa pensa diferente. Dos 31 intelectuais consultados pelo caderno "Ilustríssima" no domingo passado, 24 pensam diferente de mim. Meu posicionamento, como o dos intelectuais, representa uma aposta que se faz em um ambiente de elevada incerteza.
Penso que as pedaladas, os crimes fiscais e tudo o mais que está documentado no processo caracterizam um crime de responsabilidade, segundo minha leitura da lei 1.079, de 1950. Há opiniões de juristas para todos os gostos. Novamente, há a minha opinião, assim como há outras.
No entanto, a acusação de que a aprovação do impedimento da presidente Dilma Rousseff representa um golpe está formalmente errada. Não se trata de questão de opinião.
A legitimidade na democracia é processual. Democracia é uma forma de solução de conflitos que estabelece regras de gestão de conflitos. Ou seja, a democracia é vazia com relação a resultados.
Independentemente de minha opinião, a instituição que, segundo a legislação, tem a delegação de definir se houve ou não um crime de responsabilidade é o Congresso Nacional. Esse é outro fato, não uma opinião.
Adicionalmente, a instituição que tem o poder de revisar a decisão do Congresso Nacional é o Supremo Tribunal Federal. O STF tem a capacidade de revisar a decisão do Congresso Nacional no processo e no mérito. Ou seja, o STF tem o poder de definir em detalhes qual será o rito de tramitação do processo de impedimento, em razão de seu entendimento da Constituição. Novamente um fato, e não uma opinião.
Adicionalmente, se houver uma decisão de que a presidente incorreu em crime de responsabilidade, a decisão pode ser reformada pelo STF no mérito. Vários ministros do STF já se posicionaram no sentido de que não utilizarão essa prerrogativa. Mas esse fato também está estabelecido na regra.
Portanto, se, seguindo-se todos os ritos formais, a presidente for impedida pela Câmara neste domingo (17), se essa decisão for mantida no Senado e se o STF aceitar os procedimentos ou determinar outros procedimentos –como já o fez– e o Congresso Nacional acompanhar, e, finalmente, se o STF não reformar a decisão de impedimento, não há golpe. Simplesmente porque todos os ritos foram cumpridos.
Considerar golpe uma decisão do Congresso Nacional obtida dessa forma representa ou má-fé ou desconhecimento do que seja a democracia ou a atitude de só invocá-la quando em benefício próprio ou de sua "causa".
Simplesmente ter a opinião de que a presidente não cometeu crime de responsabilidade não pode justificar a pessoa considerar que o impedimento é golpe, pois, segundo a regra, não é da pessoa a atribuição de tomar essa decisão, apesar de qualquer pessoa ter o direito de ter qualquer opinião.
Não surpreende que, entre diversos intelectuais que consideram o impedimento da presidente um golpe, encontrem-se várias pessoas que valorizam o regime político cubano. Para esses, o regime político cubano teria produzido ótimos resultados na educação e na saúde e, portanto, contribuído para elevar o bem-estar dos cidadãos.
Esses intelectuais gostam do regime político pelo seu resultado, e não pelo processo. Não são democratas genuínos.
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.