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    Samuel Pessôa

    A academia tenta entender o estranho fenômeno de juros nulos e deflação

    31/07/2016 02h00

    Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
    Juros no rotativo do cartão de crédito atingem 449,1% ao ano

    Desde meados dos anos 1990 a economia japonesa apresenta a estranha situação de juros reais negativos e deflação.

    A academia não deu muita importância. A economia japonesa –com toda a disciplina e capacidade de poupança– parece se tratar de um mundo tão distante, mesmo para habitantes do hemisfério Norte, que o problema passou batido.

    De fato, Paul Krugman publicou em 1998 seu hoje clássico paper "It's Baaack: Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap". Houve alguns outros poucos esforços em entender esse estranho equilíbrio macroeconômico: juros nominais nulos e deflação.

    A saída da crise de 2008 colocou quase todo o mundo desenvolvido em um equilíbrio próximo ao japonês. A economia norte-americana apresenta uma recuperação com baixo crescimento do emprego. Na Europa, há desemprego elevado, com juros nulos e inflação muito baixa ou deflação.

    Quando ficou claro que o estranho equilíbrio poderia ser um fenômeno mais geral, e não uma idiossincrasia de uma sociedade, ela mesma idiossincrática e distante, a academia se movimentou.

    Há hoje literatura muito extensa tentando entender o estranho fenômeno. Em poucos anos a academia produziu um conjunto impressionante de conjecturas, modelos e diagnósticos. Certamente não há consenso e não há entendimento completo do que estamos vivendo.

    As teorias consideram imperfeições no mercado de trabalho –em geral algum tipo de rigidez nominal dos salários– e algum tipo de restrição ao crédito.

    Por exemplo, o trabalho "A Model of Secular Stagnation", de Gauti Eggertsson e Neil Mehrota, da Universidade Brown, sugere que as economias centrais estariam vivendo situação na qual ocorrem o paradoxo da parcimônia –o desejo de todos pouparem mais somente reduz a poupança e o emprego– e o paradoxo da labuta –o desejo de todos trabalharem mais somente reduz o emprego e o produto.

    A saída mais simples é uma forte expansão fiscal. A política monetária é pouco eficaz nessa situação.

    Já Stephanie Schmitt-Grohé e Martin Uribe, da Universidade Columbia, no paper "The Making of a Great Contraction with a Liquidity Trap and a Jobless Recovery", argumentam que nessas situações a política monetária ótima deixa de ser a regra de Taylor, que fixa a taxa de juros em função da distância da inflação corrente da meta inflacionária.

    Em situações de carência crônica de demanda agregada, a queda da taxa de juros que acompanha a crise é pouco efetiva para estimular o consumo e o investimento. Além disso, a queda dos juros ajuda a manter as expectativas inflacionárias deprimidas, reforçando a recessão. Nessas situações, a melhor política é o banco central fixar o juro nominal no valor dado pela meta inflacionária mais o juro real normal da economia. Os juros nominais mais elevados elevarão as expectativas de inflação e ajudarão a retirar a economia da depressão.

    Todos que leram Keynes sabem que esses fenômenos podem existir. A pergunta acadêmica é: que fatores levam a que essa possibilidade tenha ocorrido justamente agora e qual é a melhor resposta de política econômica? Essas questões requerem modelos teóricos com implicações empíricas precisas e testes robustos que não as rejeitem.

    De qualquer forma, o mundo gira, a lusitana roda, e a academia não se deprime. Novos problemas, novos desafios. Sempre sem preconceitos e ideias prontas.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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