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    Samuel Pessôa

    Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana têm a mesma fonte

    04/09/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    O advogado José Eduardo Cardozo [ex-advogado-geral da União], durante coletiva sobre impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff,
    O advogado José Eduardo Cardozo durante coletiva sobre impeachment da ex-presidente Dilma

    O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.

    Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso pre- feito, eu diria que golpe qualificado seria atuar nas zonas cinzentas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é possível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é necessário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.

    O golpe qualificado seria infringir o espírito da lei, mesmo que observando todos os ritos legais. Impedir a presidente por causa de pecadilhos fiscais seria punição excessiva. Emprega-se detalhe legal menor como subterfúgio para atingir o objetivo maior: tirar o PT do poder. Esse seria o golpe.

    Em que pese o juízo de valor de nosso prefeito de considerar a gestão fiscal de Dilma detalhe legal menor, ele não percebeu que a sua definição de golpe qualificado transforma a eleição de Dilma em golpe qualificado.

    Dilma foi eleita observando todos os ritos legais. O grupo político petista, para não perder a eleição, se dispôs a tudo. Produziu deficit fiscal, já "despedalado", a preços de hoje, de quase R$ 100 bilhões; mentiu à larga; demonizou os adversários etc. O PT, para se perpetuar no poder, atuou em todas as zonas cinzentas possíveis e imagináveis no processo eleitoral.

    Mentir sobre a situação fiscal do país é tão grave quanto esconder da população que há uma epidemia de meningite, por exemplo.

    No presidencialismo brasileiro, o presidente é extremamente for- te. Tem imenso poder de criar re- cursos e distribuir gastos. Um grupo político disposto a tudo fazer para se perpetuar no poder constitui enorme risco ao funcionamento da democracia. Degenera-se facilmente em tirania. A Venezuela demonstra.

    O suposto golpe qualificado corrige o golpe qualificado anterior, a eleição da presidente.

    Entende-se agora a fonte do choro de José Eduardo Cardozo. Ela vem do mesmo lugar de onde veio a campanha suja de João Santana. Da soberba do PT e de sua superioridade moral autoconcedida.

    O choro é do João valentão que bate em todos na rua. Um dia, uma nova família se muda para o bairro. Aparece outro maior e mais forte e bate no João. Que retorna à casa chorando.

    Oxalá o impedimento da presidente Dilma civilize o PT para a convivência com nossas instituições políticas extremamente consensuais e ensine que responsabilidade fiscal é um valor caro à nossa sociedade, do qual não se pode dispor ao sabor dos projetos de grupos políticos de alma autoritária.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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