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    Samuel Pessôa

    Impeachment é parlamentarista no mérito e presidencialista no processo

    18/09/2016 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    Ministro Ricardo Lewandowski preside sessão do Senado do impeachment de Dilma Rousseff
    Ministro Ricardo Lewandowski preside sessão do Senado do impeachment de Dilma Rousseff

    O processo de impedimento do presidente pode ser analisado por dois pontos de vista: o mérito e o rito processual.

    Um Fiat Elba ou decretos de contingenciamento orçamentário são suficientes para estabelecer o mérito segundo a redação da lei de 1950. No mérito, a lei de impedimento é um instituto do parlamentarismo. Funciona como voto de desconfiança.

    O rito processual, no entanto, é presidencialista. Longo processo de tramitação com maioria qualificada nas duas Casas e amplo direito de defesa.

    Ou seja, o instituto do impedimento do presidente de acordo com nossa legislação tem características híbridas: parlamentarista no mérito e presidencialista no ritual.

    Carece mudança?

    A resposta a essa pergunta é puramente pragmática: sistemas políticos não são estruturas puras que precisam ser tuteladas por algum princípio moral. Para sistemas políticos, aplica-se a lógica consequencialista: garantindo-se os princípios democráticos básicos, vale o que melhor funcionar para a sociedade.

    Nosso presidencialismo é extremamente consensual: voto proporcional, lista aberta, distritos eleitorais muito grandes, facilidade de criação de partidos, governo federativo (em três níveis!), STF com forte poder de revisão, Constituição extensa e detalhada, Judiciário com infinidade de instâncias recursais, entre outras características.

    Para organizar a confusão e fazer a orquestra —em que cada músico tem algum poder de veto— tocar com um mínimo de ordem, o presidente é constitucionalmente muito forte. Tem o instrumento da medida provisória, veto total e parcial, poder de alocar o Orçamento, entre outros.

    Adicionalmente nosso presidencialismo depende, para funcionar, de enorme capacidade de negociação do presidente.

    Vale contrastar com o exemplo norte-americano. Lá existe bipartidarismo, presidente constitucionalmente fraco e, portanto, Legislativo constitucionalmente forte, e Constituição enxuta. Se há um impasse entre Executivo e Legislativo, a vida segue sem maiores percalços.

    No Brasil, em razão de nosso desenho institucional, quando um presidente perde a capacidade de diálogo com o Legislativo, há forte embate destrutivo. O triste ano de 2015 ilustra. Um presidente constitucionalmente forte que perdeu a capacidade de diálogo com o Congresso perde também a capacidade de exercer o principal papel do chefe do Executivo em nosso presidencialismo: a defesa do interesse difuso.

    Assim, o instituto híbrido do impedimento do presidente —parlamentarista no mérito e presidencialista no processo— é harmônico com as demais instituições que temos. Talvez a possibilidade de recall do presidente seja uma solução menos traumática. Mas, devido ao nosso desenho institucional, o recall tem que ser iniciativa do Poder Legislativo. O que, por sua vez, não me parece boa ideia. Enfraqueceria a Presidência mais do que nosso impedimento híbrido.

    No nosso presidencialismo, o presidente é o coordenador. Tem inúmeras prerrogativas. Se avança o sinal, o Legislativo lhe corta a cabeça. A menos que mudemos completamente nossas instituições políticas, essa é a lógica interna de seu funcionamento.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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