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    Samuel Pessôa

    Se Estados não revirem direitos, salários não serão pagos

    20/11/2016 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 08.11.2016. O presidente Michel Temer participa do Seminário de Infraestrutura e Desenvolvimento do Brasil, no auditória da CNI. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
    Presidente Michel Temer, em Brasília

    Nas últimas semanas, temos presenciado situação que há até pouco tempo parecia que nunca iríamos ver. Estados, principalmente Rio e Rio Grande do Sul, com enorme dificuldade de pagar suas contas.

    A situação dos Estados brasileiros é bem parecida com a dos países da periferia da Europa: em ambos os casos, as unidades não conseguem pagar suas contas imprimindo moeda.

    Adicionalmente, o espaço para resolver por meio de emissão de nova dívida é muito pequeno.

    Assim, há o risco real de o dinheiro simplesmente acabar. O Judiciário pode sequestrar a conta do Estado e ameaçar colocar o governador e/ou o secretário da Fazenda na prisão. Inútil. Não aparecerá dinheiro no cofre do Tesouro estadual.

    O maior problema é que, assim como foi no caso com a União -que pode solucionar seus problemas inflacionando a economia-, a dificuldade fiscal é estrutural. A crise econômica só agravou o problema.

    Tanto no Rio quanto no Rio Grande do Sul, a política salarial irresponsável agravou o problema que já seria particularmente ruim pelo maior envelhecimento desses Estados. No Rio, houve o erro adicional de os governos considerarem permanentes as rendas petrolíferas, contrariamente a toda a evidência histórica.

    A natureza estrutural do problema deve-se ao regime de previdência estadual. Benefício vitalício integral para as carreiras com aposentadoria após 25 anos de contribuição: PM e professores da rede.

    Houve, em seguida à redemocratização, enorme esforço de profissionalização do Estado brasileiro. Fez parte do esforço de profissionalizar o serviço público a contratação de funcionários de carreira concursados. A primeira onda de concursos pós-redemocratização ocorreu na década de 1985 a 1995. Considere o ponto médio da série, 1990, e somam-se 25 anos até 2015 -a conta das aposentadorias chegou!

    O deficit total dos Estados com a previdência, que era de R$ 49 bilhões em 2012, subiu para R$ 77 bilhões em 2015. Crescimento de 58%. Considerando a inflação, o crescimento real anual médio no período foi de 8,7%!

    Nem crescimento chinês paga essa conta.

    Temos um problema dramático: a sociedade distribuiu benefícios e direitos a pessoas, principalmente servidores públicos, incompatíveis com a capacidade de crescimento e de arrecadação da economia que suporta a sociedade. Que fazer? Elevar ainda mais os impostos e, com isso, aumentar as amarras ao crescimento, já tão baixo há tantas décadas?

    Os Estados terão de rever direitos. Se não o fizerem, os benefícios e os salários não serão pagos, simplesmente porque o Estado não pode imprimir dinheiro.

    A União não irá intervir: a intervenção é prerrogativa do presidente da República, que não o fará, pois a intervenção em um Estado bloqueia a tramitação de toda emenda constitucional, por determinação da própria Constituição.

    Se os Estados insistirem em não se ajustar e tentar jogar no colo da União o custo político da desorganização que ocorrerá em razão do não pagamento dos salários dos servidores da ativa, a União poderá utilizar as Forças Armadas para a segurança. É esse o jogo.

    Não parece que os Estados terão poder de barganha para jogar para a União o desequilíbrio de seus gastos. O problema das finanças estaduais não é o gasto com dívida, mas o gasto com folha incluindo inativos.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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