• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 07:45:38 -03
    Samuel Pessôa

    O motivo para as redes de metrô em nossas cidades serem tão raquíticas

    18/12/2016 02h00

    Joel Silva-25.fev.09/Folhapress
    Passageiros tentam embarcar na estação Sé do metrô
    Passageiros tentam embarcar na estação Sé do metrô

    O consumo na China é muito baixo. Algo como 40% do PIB. No Brasil, o consumo corresponde a aproximadamente 85% do PIB.

    O elevado consumo no Brasil induz o setor produtivo a ofertar bens de consumo. Há muitos restaurantes, bares, salões de beleza, lojas de eletrodomésticos, de vestuário, fábricas de bens de consumo etc.
    Logo, muitos trabalhadores são alocados em setores que produzem bens e serviços de consumo.

    Na China, a baixíssima demanda por bens de consumo faz com que a proporção de trabalhadores na produção de bens ou serviços de consumo seja, relativamente ao Brasil, baixa.

    Se parcela bem menor de trabalhadores na China está alocada na produção de bens de consumo, em que setor os demais trabalhadores estão ocupados?

    Essa parcela está construindo a infraestrutura física do país. Está construindo os metrôs, as estradas, as pontes e os viadutos, os portos e os aeroportos, as ferrovias e os trens-bala.

    Dado que toda a renda gerada ao longo de um ano numa economia tem que ser igual ao produto que é produzido nesse mesmo período, se a sociedade ao longo deste ano produz uma quantidade expressiva de produtos que não são para consumo imediato -a infraestrutura em geral-, é porque pessoas decidem comprar com parte de sua renda a infraestrutura.

    Explicando melhor, as pessoas "compram" a infraestrutura física por meio do Estado, que faz os investimentos com poupança pública ou por meio da aquisição de títulos financeiros que dão direito sobre parcela do fluxo de caixa futuro que será gerado por aqueles projetos. Note-se que, em ambos os casos, a "compra" é realizada com recursos não gastos em consumo e, portanto, que são poupados.

    No nosso caso, em razão de despendermos a maior parte de nossa renda com bens de consumo, a economia se organizou para ofertar esses bens. É por esse motivo que as redes de metrô em nossas cidades, por exemplo, são tão raquíticas.

    Uma saída seria o Estado aumentar a tributação -e, com isso, reduzir a renda das pessoas- e gastar (investir) essa renda na construção dos metrôs. A demanda por consumo seria reduzida devido à redução da renda líquida de impostos dos consumidores. O emprego de trabalhadores e insumos em geral no setor de produção de bens e serviços de consumo seria reduzido e sobrariam recursos reais -trabalhadores e insumos- para serem transferidos à produção de metrô e outros tipos de infraestrutura.

    A tributação já é elevada. O problema é que o Estado transfere a receita de tributos às pessoas. As pessoas gastam essa renda com consumo. Não sobra para os metrôs.

    A reforma da Previdência atua por dois canais. Ao reduzir o gasto do setor público com transferências aos indivíduos, elevará os recursos públicos que podem ser investidos na infraestrutura. Adicionalmente, a redução da renda garantida no futuro -consequência da reforma previdenciária- induzirá as pessoas hoje a poupar mais, diminuindo, portanto, a demanda por bens de consumo.

    Mas o que as pessoas farão com a poupança? Comprarão direitos sobre parcela dos bens de investimento que serão produzidos. Nenhum pequeno poupador entrará em contrato direto com uma grande construtora, claro. Mas os títulos que vão financiar esses projetos serão comprados ou estarão nas carteiras dos fundos de investimento e de outras aplicações financeiras dos quais um cidadão comum pode ser cotista.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024