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    Samuel Pessôa

    Gasto com os rentistas é alto, mas muito menos do que se diz por aí

    27/08/2017 02h00 - Atualizado às 17h07
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    Rahel Patrasso - 22.ago.17/Xinhua
    (170822) -- SAO PAULO, agosto 22, 2017 (Xinhua) -- Personas caminan frente a "BM&F Bovespa", la Bolsa de Valores de Sao Paulo, en Sao Paulo, Brasil, el 22 de agosto de 2017. De acuerdo con información de la prensa local, el índice principal de la bolsa de valores brasileña, "Ibovespa", alcanzó su nivel más alto desde el 18 de enero de 2011, luego de que el lunes el gobierno brasileño anunció sus intenciones de vender una parte de las acciones de la compañía estatal de energía Eletrobras. (Xinhua/Rahel Patrasso) (rp) (ma) (da)
    Pessoas à frente da Bolsa de Valores de São Paulo

    Na Semana passada, discuti as diversas meias-entradas que fazem com que o gasto público seja muito elevado. Argumentei que o inferno somos todos nós.

    De uma forma ou de outra, há programas públicos que nos favorecem individualmente. A soma de todas essas distorções produz um Estado disfuncional. Não serve ao público e não consegue pagar suas contas. A dívida pública cresce ilimitadamente.

    Houve comentários à coluna lembrando meias-entradas que esqueci. Por exemplo, a isenção de pagamento de impostos para as igrejas. Bem lembrado.

    Outro desconforto comum dos leitores com a coluna é o tratamento dirigido aos juros da dívida pública. Por que não se trata de uma meia-entrada?

    Apesar de ser uma conta salgada, o pagamento de juros da dívida pública não é uma meia-entrada. A característica da meia-entrada é ser um favorecimento na forma de lei. A dívida é salgada porque os juros são elevados. E esses são elevados porque a inflação é elevada.

    É comum argumentar que seria melhor combater a inflação com maiores compulsórios e maiores controles diretos de crédito. Já praticamos os maiores compulsórios do mundo, e o mercado de crédito é supercontrolado.

    Evidentemente a redução do crédito subsidiado —este sim uma bela meia-entrada— ajudará em muito a reduzir o custo de rolagem da dívida pública.

    Finalmente há uma incompreensão da sociedade do real custo de rolagem da dívida pública.

    Quando o setor público capta recursos, essa dívida é contabilizada como receita de capital. No vencimento, a recompra —quitação— da dívida é contabilizada como gasto de capital.

    É comum o sindicato dos auditores fiscais considerar que a rolagem da dívida pública constitui um item do gasto público. Entretanto, a norma contábil não obedece ao conceito econômico.

    Como sabemos desde o clássico "Valor e Capital", de John R. Hicks, "renda é o máximo valor que um indivíduo pode consumir durante uma semana e mesmo assim ter, no final da semana, o mesmo nível de riqueza que ele tinha no início".

    A receita da captação da dívida não é renda, pois ela gerou um passivo, diminuindo a riqueza. E, analogamente, a recompra de títulos de dívida pública (a quitação) não é gasto, pois o Tesouro devolve ao público um recurso que nunca fora seu.

    Segue desse conceito econômico que a renda que um indivíduo recebe por carregar um título público no seu portfólio —e que o governo gasta na gestão da dívida pública— é dada pelos juros pagos, líquidos da correção monetária e líquidos do Imposto de Renda que incide sobre a correção monetária (lembre que o IR sobre aplicações financeiras incide sobre o juro nominal e que parte do juro nominal, a correção monetária, não é renda).

    Assim, para uma dívida de 70% do PIB e um juro nominal de 10% com inflação de 4% e alíquota de IR de 15%, temos: o juro nominal será de 7% do PIB; o juro real será de 4% do PIB; e o juro real líquido de IR sobre a inflação será de 3,6% do PIB. Ou seja, o gasto do Tesouro com serviço da dívida pública, que é igual à renda dos rentistas, será de 3,6% do PIB.

    Está longe de ser um gasto pequeno, mas está igualmente distante dos valores exorbitantes que se divulgam por aí.

    O grande problema é que, exatamente por não ser um gasto decidido pelo Congresso Nacional na forma da lei, há três formas de reduzir essa conta: uma política fiscal conservadora que reduza o juro e o estoque da dívida; aceitar inflação crescente; ou calote explícito.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

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