• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 19:19:33 -03
    Samuel Pessôa

    Passo maior do que a perna

    10/09/2017 02h00

    No sábado, dia 2 de setembro, houve manifestação de cientistas e professores universitários contra o contingenciamento do governo Temer aos recursos da educação universitária e da ciência brasileira em geral.

    O que talvez os cientistas e professores universitários não saibam é que o gasto do Ministério da Educação (MEC) cresceu a taxas elevadíssimas de 2008 até 2014. Esse enorme crescimento, muito acima da expansão da economia e muito acima da capacidade fiscal do Estado brasileiro, explica a atual crise no setor.

    Entre 1999 e 2008, o crescimento do pessoal ativo foi de 2.500 contratações por ano. Esse número elevou-se para 13.600 para o período entre 2009 e 2014. O ritmo anual de contratação do MEC multiplicou-se por cinco!

    O crescimento real da despesa com ensino superior entre 2009 e 2014 foi de 70%. Para os gastos totais do MEC, o aumento no mesmo período foi de 121%. Nesse mesmo período, o crescimento real da economia não passou de 15%.

    Esses números poderiam somente indicar que o governo entre 2008 e 2014 priorizou o gasto com educação em detrimento de outras despesas e manteve a situação fiscal em equilíbrio. No entanto, entre 2008 e 2014, o crescimento do gasto primário da União, excluindo as transferências obrigatórias para Estados e municípios, foi de 33%.

    Sabemos que houve forte expansão do gasto primário da União, acima do crescimento da economia, desde 1992. Ocorre que esse processo se esgotou e está muito difícil a sociedade aceitar novas rodadas de elevação da carga tributária.

    Assim, a crise da ciência e do ensino superior público nacional é a crise do Estado brasileiro. Vivemos um período - principalmente em seguida à crise de 2008 - em que nossos gestores se comportaram como se não houvesse restrição de recursos. Como se o aumento do gasto público tivesse efeitos tão fortes sobre o crescimento econômico que ele se autofinanciaria.

    A descoberta dos recursos petrolíferos do pré-sal, associada a uma gestão fortemente heterodoxa no Ministério da Fazenda, em particular no Tesouro Nacional, produziu uma verdadeira farra fiscal. Vivemos hoje a ressaca dessa farra.

    Esse passo muito maior do que a perna está cobrando seu preço.

    O esgotamento do Estado foi precedido de um período de elevação persistente da inflação, consequência da tentativa de segurar os preços por meios heterodoxos, o que agravou os problemas.

    Vivemos agora o período das vacas magras. Não aproveitamos as vacas gordas para nos preparar e agora sentimos as consequências de nossas escolhas.

    Na semana que passou, o Senado aprovou a taxa de longo prazo (TLP), que altera totalmente a governança de concessão de subsídio pelo BNDES. A TLP tornará todo o subsídio concedido pelo BNDES em recursos públicos que aparecerão explicitamente no Orçamento. O principal objetivo é elevar a transparência e o controle da sociedade sobre a concessão de subsídio.

    Um próximo passo importante na melhora da governança dos recursos do BNDES é retirar do banco a taxa que ele cobra sobre os recursos do FAT que são emprestados por outros bancos. Dado que o BNDES não capta esses recursos –quem capta é o Tesouro Nacional– e dado que o risco dos empréstimos concedidos por outros bancos com os recursos do FAT "repassados" pelo BNDES não fica com este, não faz sentido a cobrança da taxa de repasse. Sem essa taxa, o custo do empréstimo na ponta pode cair muito.

    samuel pessôa

    É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024