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    Sérgio Rodrigues

    Bestialógico, o democrático festival de asneiras que assola a internet

    30/11/2017 02h00

    Ian Joughin/Science/Divulgação
    Canal formado por derretimento de gelo na Groenlândia
    Canal formado por derretimento de gelo na Groenlândia

    A Terra é plana. Hitler era de esquerda. Bolsonaro é um democrata liberal. FHC, um fascista. O 11 de setembro e a Lava Jato são obras da CIA. A Globo é comunista. O comunismo é global.

    Paul McCartney está morto. Elvis Presley está vivo. John Lennon também está morto, mas tudo bem porque ele queria destruir a família. Bandido bom é bandido morto.

    Afinal de contas, toda relação sexual é um estupro, e cabe exclusivamente a quem se sente ofendido dizer o que é ofensivo.

    O pouso na Lua foi encenado num estúdio de Hollywood com retroprojetores. Nada do que vem dos Estados Unidos merece confiança, com exceção de Trump.

    O aquecimento global é uma farsa. O ET de Varginha fez plástica e vive entre nós como influenciador digital. Ronaldo Fenômeno foi envenenado pelo serviço secreto francês antes da final da Copa de 1998.

    A CBF vendeu o 7 a 1 por 7,1 bilhões de dólares depositados em contas secretas na Suíça. Uma mala de dinheiro não prova corrupção.

    Pelé seria um jogador comum no futebol de hoje. Neymar é enganador. Romero Britto, um grande artista. Alexandre Frota, referência cívica.

    O português é o idioma mais difícil do mundo, tão difícil que só três caras no Maranhão conseguem falá-lo sem cometer nenhum erro. Ou seja: relaxe, escreva gato com jota à vontade.

    "Cuspido e escarrado" é uma expressão que vem de "esculpido em Carrara". A palavra "coitado" traz o coito dentro de si. O forró nasceu de "for all".

    O Holocausto é uma mentira cabeluda urdida pelo complô judaico-financeiro-comunista internacional. Lidas de trás para a frente, as últimas frases de "Ágape", do padre Marcelo Rossi, profetizam o apocalipse zumbi.

    D. Pedro 1º tomava Viagra. A marquesa de Santos era uma transexual agente da KGB e a imperatriz Leopoldina, feminazi. O papel de José Bonifácio no rolo não está claro, mas boa coisa não devia ser.

    A mão invisível do mercado vai solucionar todos os problemas da humanidade. Ou isso ou o Estado máximo, Leviatã de 10 mil tentáculos –o meio termo é que não faz sentido.

    Resta o consolo de que a felicidade está ao alcance de qualquer um, bastando desejar algo com devoção para o universo conspirar a seu favor.

    O racismo não existe no Brasil. O Brasil é o país mais racista do mundo. O Brasil é o país do futuro.

    Vacinas, iodo no sal, videogame, mertiolate indolor, controle remoto, aplicativos de tradução automática e tênis com amortecimento são armadilhas do establishment midiático-comuno-capitalista para criar multidões de escravos conformados.

    Tudo o que você pensar em comprar num raio de cinco quilômetros de seu smartphone lhe será oferecido dentro de meio segundo num bombardeio de anúncios digitais.

    Versos sem rima, romances sem enredo, surrealismo, música atonal, jazz, rock, quadrinhos, Tinder, Marion Cotillard, pizza de borda recheada e homossexualidade são peças de uma sinistra orquestração para destruir a família cristã, não vê quem não quer!

    A internet, esse milagre democrático, deu voz a milhões de seres pensantes que até então eram impedidos de contribuir com seu descortino para a grande aventura humana do conhecimento e da convivência universal, metas mais elevadas da civilização.

    Agora vai!

    sérgio rodrigues

    É jornalista e escritor, publicou "Viva a língua brasileira!" (Cia. das Letras), em 2016.
    Escreve às quintas.

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