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    Sérgio Dávila

    Os que sobraram

    20/07/2014 02h00

    SÃO PAULO - O apelo da nova série de TV paga "The Leftovers", que a HBO vem exibindo, é a premissa, tão óbvia, mas tão inteligentemente realizada: e se parte da população da Terra, mais especificamente 2%, ou 140 milhões de pessoas, desaparecesse de uma hora para outra? O que aconteceria aos que sobraram, os "leftovers" (sobras, em inglês)?

    Na ficção televisiva, o que acontece é um desarranjo mundial. Famílias se desfazem, mil seitas florescem –uma delas prega o voto de silêncio, as vestes brancas e o fumar compulsivo–, homens enlouquecem, cachorros viram lobos sedentos de sangue.

    O personagem principal é o chefe de polícia de uma cidadezinha qualquer. O pai, seu antecessor no cargo, ensandeceu; sua mulher entra para a tal seita dos fumantes; o filho vira segurança de um guru que diz que cura pelo abraço a dor do abandono; e a filha adolescente quase não fala. Ele mesmo nem sempre sabe se está acordado ou vivendo um pesadelo.

    O texto de Tom Perrotta, o mesmo dos ótimos livros "Election" e "Criancinhas", adaptados depois para filmes igualmente ótimos, bebe na passagem do Arrebatamento, da Bíblia, segundo a qual uma parte pequena dos fiéis será arrebatada aos céus e o resto, deixado por sete anos à própria sorte, até a nova volta de Cristo.

    O autor evita, no entanto, a tentação fácil de ridicularizar religiões e crenças. Prefere focar no vazio aberto na vida das pessoas quando eventos inexplicáveis ou inesperados acontecem. A referência mais óbvia é o 11 de Setembro de 2001.

    Mas poderia ser o fim de um grande amor, a morte prematura de um parente querido, no campo dos vazios particulares, ou a derrubada de um avião de passageiros por um míssil e até mesmo –por que não?– a derrota do time de um país por 7 a 1, no dos vazios coletivos.

    O segredo dos que sobraram será fazer das partes o novo todo, mesmo que o gosto fique um pouco mais amargo a cada vez.

    sérgio dávila

    É editor-executivo da Folha. Foi correspondente nos EUA, onde cobriu o 11 de Setembro e a eleição de Barack Obama. Foi o único repórter brasileiro no início da Guerra do Iraque.

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