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    Sérgio Malbergier

    Obama vai à guerra (do Brasil)

    21/03/2011 07h07

    A visita de Barack Obama ao Brasil por enquanto entrou para a história mais por expor ao mundo a nova fraqueza (relativa) dos EUA do que a nova força (relativa) do Brasil.

    Pois Obama, Prêmio Nobel da Paz, foi à guerra justamente quando estava no Brasil. Foi quase um momento Bush, como relatou a Folha no domingo: Obama foi avisado ao pé do ouvido por um assessor que os ataques contra o regime de Gaddafi haviam começado no meio de recepção no Itamaraty.

    Enquanto o presidente francês, Nicolas Sarkozy, reunia lideranças mundiais no sábado em Paris para começar e liderar a primeira guerra de Obama, o presidente americano tomava champanhe em Brasília.

    Antes mesmo do começo da guerra, os conservadores americanos já tinham munição para atacar o democrata:

    "A política do presidente Obama para a Líbia conseguiu brilhantemente atingir seu objetivo repetido tantas vezes de não liderar o mundo. Ninguém mais pode duvidar da decisão dos EUA de não agir antes dos italianos, ou até que os sauditas aprovem, ou sem uma resolução da ONU", ironizou editorial do "Wall Street Journal" no início do mês sob o título "A Doutrina Obama: Líbia é o que o mundo parece sem a liderança dos EUA."

    Nisso, ao menos, eles têm razão. A doutrina Obama está em ação na Líbia: os EUA esperaram a ONU autorizar o ataque, buscaram consenso multilateral e deixaram outros países liderarem a ação. O oposto da doutrina Bush, de guerras preventivas e unilaterais. Se isso deixará o mundo mais seguro, vamos ver como acabará essa guerra para dizer .

    Tantos significados tiraram o foco da alegre passagem da família Obama pelo Brasil. Ela quase foi adiada e depois encurtada pelos acontecimentos no Oriente Médio, que sempre roubam a atenção e os recursos da diplomacia americana. Mas, até por isso, manteve-se o roteiro, apesar do incômodo.

    O esforçado discurso de Obama no Theatro Municipal do Rio entrou ao vivo nos lares globais e americanos pela CNN totalmente desconectado do clima de guerra da cobertura da Líbia. Com uma tarja amarela de "breaking news" e o selo de "Libya War" rasgando a tela, Obama apareceu sorridente no palco carioca, falando poucas palavras em português quebrado para uma platéia animada.

    O que deve ter pensado o ditador Gaddafi em Trípoli ao ouvir Obama, comandante em chefe das tropas dos EUA, falar sorrindo de Vasco e Botafogo enquanto aviões e embarcações americanas bombardeavam seu país a mando dele? E o que deve ter pensado um americano em Ohio?

    A viagem, segundo a máquina de relações públicas da administração americana, era vendida nos EUA como uma missão econômica para aumentar exportações e criar empregos e no Brasil como relançamento da parceria bilateral e reconhecimento de nossa emergência no cenário mundial.

    Ao menos para o Brasil a visita teve valor. O discurso no Municipal foi o ponto alto, muito generoso conosco. Citou até Jorge Ben e seu hino ao país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza. A CNN cortou no meio, enquanto Obama exaltava a luz da democracia brasileira no mundo, para voltar à guerra na Líbia.

    Já nas telinhas do Brasil, mesmo canais da TV aberta interromperam sua programação dominical para transmitir trechos do discurso de Obama. O presidente acabou de fato falando direto aos brasileiros, o que foi um golaço pois, salve simpatia, ele é o porta-voz perfeito para o Brasil.

    Mas o aprofundamento de fato das relações com os EUA virá quando os americanos passarem a buscar no Brasil um aliado, não um seguidor, e o Brasil pensar fora da caixa sua relação com os EUA.

    Sim, nós podemos.

    Como o próprio Obama lembrou no Rio, as histórias dos dois gigantes americanos estão ligadas desde o começo, e, apesar das diferenças, muitos paralelos podem ser traçados.

    O consenso em torno da economia de mercado e da democracia apontam uma nova aliança pan-americana que neste mundo multipolar poderá ser vital para os melhores interesses bilaterais e da região.

    Se a visita de Obama serviu para pavimentar esse caminho, ela terá sido histórica não só por revelar que o rei está nu.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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