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    Sérgio Malbergier

    Dilma é o Russomano de 2014

    DE SÃO PAULO

    11/10/2012 07h07

    O surto Russomano em São Paulo é maior do que parece e não é coisa do passado. É coisa do futuro.

    Ele é a resposta mais clara até aqui da insatisfação popular com o sistema político.

    Escrevo esta nesta quarta, 10 de outubro. São 18h46, e o ministro Ayres Britto, presidente do STF, lê para a história a lista de condenações do dia no julgamento do mensalão. Culpado é a palavra que mais se ouve na TV Justiça. Ayres Britto conclui a momentosa lista lida com a fleuma natural e passa rapidamente a palavra ao ministro Joaquim Barbosa, que imediatamente dispara com sua capa de super-herói e voz de Yul Brynner outra rajada de acusações de "hipercrimes".

    Quantos já foram condenados? Por quantos crimes (ou "hipercrimes")?

    Quem está contando? A conta agora é a dos anos das penas e o regime das prisões _a diferença nada sutil entre o lar e a cadeia.

    Ou seja, ainda há muito a batalhar neste drama épico da Nova República: um roteiro pronto para minissérie de TV, com personagens fantásticos e complexos, como cada um dos juízes supremos, o procurador-geral, os advogados, os condenados. É drama puro. Dramaturgia pura.

    Com um "timing" fantástico.

    O choque do mensalão com a eleição intensificou o efeito do julgamento e a onda de repúdio ao establishment político. Em São Paulo, o establishment político é PSDB e PT. O surto Russomano foi antes de tudo um repúdio.

    E o que acontece em São Paulo não fica em São Paulo. Espalha-se pelo Brasil.

    A cidade e o país tiveram um ciclo de crescimento transformador. Esse crescimento, reforçado pelo processo de formalização da economia, gerou uma explosão na arrecadação de impostos nas três esferas de governo. Segundo o professor Armando Castelar (FGV-SP), o Brasil conseguiu bater todos os países em aumento da carga tributária: ela cresceu 10 pontos percentuais do PIB em 15 anos, uma enormidade, um recorde.

    Essa dinheirama toda, esses trilhões, não se transformaram em serviços públicos de mais qualidade, pelo contrário: da infraestrutura precária à tortura nas delegacias, as provas da ineficiência estatal são evidentes.

    O avanço econômico abriu horizontes para milhões de brasileiros eleitores. Novos consumidores, eles se sentem mais fortes como cidadãos. E se tornarão cada vez mais exigentes com os governos (e empresas).

    Russomano, além de "outsider", atua na esfera do consumidor, atua na TV, atua nas igrejas. É um político moderno. Daqueles que podem ameaçar o establishment, cada vez mais desgastado.

    O Bolsa Família já tem quase uma década, o fervor político do lulismo enfraquece com a distância do poder e os efeitos do mensalão. O Brasil não é um país de esquerda. O PT se elegeu (e governou em quase tudo) pela direita. Mas a direita política está exterminada, como Lula prometeu. E a oposição é fraca. Ou seja, o espaço para um aventureiro na cena política nacional é enorme.

    Mas aí está o truque.

    Dilma ocupou essa via. Foi para cima das empresas (privadas) em nome do consumidor, defendendo o cidadão-consumidor em áreas nevrálgicas como telefonia e conta de luz. E baixou os juros. E fica longe da política corpo a corpo.

    As consequências do mensalão só podem afastá-la mais do núcleo duro petista. A saída de José Genoíno do Ministério da Defesa no dia de sua condenação o prova. E se os condenados e seus aliados quiserem engrossar a voz contra poderes instituídos? Dilma jamais poderá apoiá-los, já trata de contê-los. Ela tem a força.

    Sintomaticamente, o PT soltou uma declaração oficial acusando a oposição e a mídia de "criminalizar" o PT, quando quem está criminalizando membros do partido é a Justiça brasileira.
    Os 70% de aprovação popular de Dilma num momento de crescimento econômico anêmico têm muita relação com o fato de ela ser diferente de Lula, não parecida. A intransigência da presidente, ou a aparência de intransigente, agrada, um rigor necessário, nem que seja só pelo rigor, depois dos anos soltos de Lula.

    O lado escuro do governo Lula veio à luz com inédita intensidade nestas semanas. A dúvida maior hoje não é mais se Lula será o próximo candidato, mas se será o próximo acusado.
    A economia só precisa melhorar, como até o cético mercado prevê, para Dilma se reeleger facilmente em 2014. Ela consegue a façanha extraordinária de parecer alheia ao mundo político mesmo sendo a presidente da República. Isso deve nos blindar do candidato aventureiro em 2014 e dar tempo para purificar um pouco a prática política.

    Como São Paulo mostrou, uma disputa entre representantes novatos ou desgastados do establishment político pode ter consequências inesperadas. Dilma barra este cenário em 2014. Mas ele pode vir a ser em 18.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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