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    Sérgio Malbergier

    Barbosa desmente Barbosa

    DE SÃO PAULO

    25/10/2012 07h07

    Quarta-feira, 24 de outubro de 2012, 18h05. Sento para escrever esta coluna e de novo o inescapável Joaquim Barbosa ocupa a TV atacando os já condenados réus do Mensalão.

    Não muito tempo atrás, Barbosa estava cético. "Político na cadeia? Vai demorar muito ainda para que se veja um caso", disse em junho de 2011 à revista "Veja". Pois este momento parece mais perto do que ele imaginava, a dosar pela soma de mais de 40 anos de prisão para Marcos Valério contabilizada ontem.

    Barbosa, como relator do processo do século, busca as punições mais severas possíveis, num rigor que não combina com o Brasil, ou não combinava. Ele voltou com carga total neste segundo e decisivo ato do julgamento, que estabelece as penas dos condenados ou, no rico vernáculo da corte, a doseometria, o quantum da pena.

    Barbosa e outros ministros do STF exploraram bem a oportunidade inédita de realizar um julgamento técnico e público de corrupção de primeira grandeza atuando numa conjunção de fatores raras vezes tão favorável à acusação: um delator importante (Jefferson), uma profusão de evidências e a transmissão ao vivo do julgamento.

    A trajetória de Barbosa explica sua letalidade. Ele conhece profundamente o direito e a administração pública. Foi do Ministério Público Federal (1984-2003); foi Chefe da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde (1985-88); foi Advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (1979-84); foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979). Já uma bolsa de estudos do CNPq abriu as portas para a academia, que o levaram ao doutorado em Paris e a outras sólidas credenciais.

    O Estado brasileiro o preparou para este momento shakespeariano da nação. O primeiro negro no Supremo nomeado pelo primeiro operário na Presidência comandando implacavelmente a carga condenatória contra o governo que o nomeou numa corte em permanente conflito.

    Por isso é mera consequência o fato de Barbosa ter se tornado a face do acusador, ao invés do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, formulador original da acusação.

    Na entrevista que deu em junho de 2011, Barbosa, impedido de comentar diretamente o Mensalão, elaborou de forma mais generalista suas visões. Lidas hoje, ajudam a entender sua ação na Corte e sua verve condenatória. Exemplos:

    "Os processos (no Brasil) demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. É um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas."

    "A polícia trabalha mal, o Ministério Público trabalha mal. Na maioria dos casos que resultam em impunidade, é isso que ocorre. Por outro lado, o sistema penal brasileiro pune e muito... principalmente os negros, os pobres, as minorias em geral. Às vezes. de maneira cruel, mediante defesa puramente formal ou absolutamente ineficiente."

    "A criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal em que cada um dos seus componentes tem 10.000 casos para decidir, e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos, pode se dedicar às minúcias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional. Isso foi feito de maneira proposital... O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências."

    Com a onda de condenações comandada por ele no STF, Barbosa desmente Barbosa.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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