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    Sérgio Malbergier

    (In)dependência de empregada

    08/11/2012 07h07

    Um dos bastiões do Brasil arcaico e injusto espalha-se pela casa de boa parte dos leitores desta coluna e de seu autor: a relação patrão (patroa) x empregada doméstica.

    Por mais que você seja (ou se ache) um bom patrão, essa relação é determinada por uma legislação injusta e discriminatória, criada pela Constituição dita cidadã de 1988, que deliberadamente excluiu das leis e direitos trabalhistas a categoria dos empregados domésticos, cristalizando resquício escravocrata na novíssima Carta do país.

    As domésticas, no feminino, para explicitar a discriminação, que é também de gênero, são a maior categoria profissional do Brasil: cerca de 7 milhões, ou 20% das brasileiras economicamente ativas.

    Mesmo assim os constituintes tiraram desse enorme contingente direitos inalienáveis do trabalhador como jornada de trabalho regulamentada em lei, hora extra, adicional noturno, salário-família e FGTS.

    Esta infâmia, da qual fui legalmente praticante, embora "trate a moça lá de casa super bem" (como diz o álibi), pode estar mais perto do fim.

    Comissão do Congresso finalmente aprovou proposta de ampliação dos direitos das domésticas, dando à categoria salário mínimo; jornada de trabalho de até 8 horas diárias e 44 horas semanais; hora extra; normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento das convenções e acordos coletivos.

    Sim, não tinham direito a nada disso. E, com isso, o custo da doméstica pode dobrar. Para cumprir a jornada de 44 horas semanais, sua empregada trabalhará, por exemplo, das 7 da manhã às 3 da tarde de segunda a sexta e das 8 ao meio-dia no sábado. O que passar disso, hora extra. Jantar? Adicional noturno.

    Embora o país esteja tão atrasado, a proposta caminha devagar no Congresso. Depois de passar na comissão especial, ainda precisa de acordo das lideranças para entrar na pauta.
    Por mais altivas que nossas autoridades sejam nos foros internacionais, o Brasil ainda é um país de padrões de vida e cidadania muito inferiores aos dos países desenvolvidos. A massa de domésticas desprovida de direitos e ganhos compatíveis é das maiores evidências desse atraso.

    A grita de patroas e patrões porque agora, em algumas regiões de São Paulo e Rio, têm de pagar salário de R$ 2.000 com carteira e respeitar horários das domésticas revelam isso também. Quanto vale o trabalho de funcionária que tem responsabilidade sobre sua casa e seus filhos? Muito mais que R$ 2.000, não fossem os preconceitos legal, classista, racial, regional, de gênero etc. traduzidos arquitetonicamente nas minúsculas dependências de empregada dos apartamentos.

    Não adianta colocar placa proibindo discriminação no uso do elevador. É preciso proibir a discriminação dentro das casas, hoje amparada em lei. Diante desse quadro de iniquidades, o Congresso tem a obrigação de apagar o mais rápido possível essa mancha da Constituição. É passo indispensável do novo Brasil rumo ao justo Brasil.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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