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    Sérgio Malbergier

    Guerra mundial

    17/01/2013 07h00

    O norte da África virou novamente palco de um conflito global.

    Tropas francesas lutam neste momento contra militantes islâmicos no norte do Mali para deter o avanço dos jihadistas. Em represália, outro grupo jihadista comandado por um argelino treinado e testado no Afeganistão sequestrou dezenas de ocidentais (americanos, britânicos, japoneses, um francês, um irlandês, um austríaco, argelinos) de uma das maiores instalações de gás da Argélia, explorada por multinacionais e fonte de energia à Europa.

    Por muitos anos a chamada comunidade internacional minimizou o perigo do Taleban no Afeganistão. Olhou para o outro lado quando os islamistas tomaram o poder, proibiram mulheres e meninas de frequentarem escolas e trabalharem, baniram música e obrigaram os homens a criar barba, implodiram estátuas gigantes do Buda, patrimônios da humanidade. E deu no que deu: dos ataques do 11 de Setembro às guerras sem fim no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, a milhares de jihadistas treinados e doutrinados a odiar o Ocidente e atacá-lo com fúria divina, como ocorreu em Londres, Madri e muitas outras cidades do mundo.

    Embora a dimensão desse conflito seja global, não existe uma ação global sustentada e eficiente para resolvê-lo. E por mais anacrônica que seja a visão dos extremistas islâmicos, ela nunca foi tão atual.

    Isso porque a maior parte dos países de maioria islâmica, notadamente no mundo árabe, viveu por décadas ditaduras ferrenhas que exterminavam a oposição política, mas permitiam a oposição das mesquitas. Em sociedades disfuncionais, elas se tornaram a única escapatória e o único alicerce diante de Estados falidos moral, política ou economicamente, ou os três juntos.

    É por isso que por enquanto o único resultado concreto da chamada Primavera Árabe foi a troca de ditadores decrépitos na Tunísia e no Egito por governos islâmicos supostamente moderados --menos extremistas seria uma melhor definição.

    Na Síria, uma sangrenta guerra civil que já matou dezenas de milhares de pessoas, coloca outra decrépita ditadura, a do clã Assad, contra uma coalizão de milícias entre as quais os islamistas são parte significativa.

    Se Darwin servisse também para explicar o extremismo islâmico, poderíamos dizer que sua força é diretamente proporcional à sua enorme capacidade de se reproduzir e se adaptar. Mas não se engane. Há muitas semelhanças entre o que os islamistas moderados e os radicais dizem.

    A Irmandade Muçulmana, que está no poder no Egito pelo voto popular, é a mãe do movimento jihadista moderno, tendo inspirado de Bin Laden ao Hamas. O novo presidente do Egito, Mohamed Morsi, disse pouco tempo atrás em declarações divulgadas nesta semana pelo "New York Times": "Criem nossos filhos e netos no ódio aos sionistas, aos judeus". Disse ainda: "Esses sanguessugas que atacam os palestinos, esses descendentes de macacos e porcos".

    São expressões que saem com a mesma facilidade da boca dos jihadistas da Al Qaeda do Magreb Islâmico, que atua no conflito no Mali, ou do Batalhão do Sangue, que sequestrou os ocidentais na Argélia, ou dos líderes do Hamas, que governam a faixa de Gaza, e do Hizbollah, que sequestrou o poder no Líbano.

    Em todas essas frentes, sempre, quem mais sofre com o extremismo islâmico são os próprios muçulmanos, vítimas esmagadoras dos ataques jihadistas, apesar da cínica bravata antiocidental e antissionista.

    A ação francesa no Mali foi um ato ousado e de coragem do presidente recém-eleito, o socialista François Hollande. Ele merece apoio mundial para que o país africano não se torne um novo Afeganistão ou uma nova Somália.

    Mas é muito mais difícil combater desse lado, em sociedades democráticas, críticas, humanistas e avessa a conflitos bélicos. Como escreveu o poeta irlandês William Butler Yeats no clima de desolação pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919): "Aos melhores falta convicção, enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade".

    O conflito no Mali mostra como o extremismo islâmico, por mais absurdo, anacrônico, cruel e odioso que seja, não recuará sem uma estratégia mais firme e convicta da ordem internacional.
    Não é uma guerra mundial, ainda, mas é uma crescente ameaça global.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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