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    Sérgio Malbergier

    O papa não era pop

    14/02/2013 07h00

    A renúncia surpresa do papa revela a mais profunda crise da Igreja Católica, nada menos que isso.

    Assolado por escândalos e a concorrência do ateísmo, do agnosticismo e de outras religiões, o catolicismo recua em seus bastiões mais fortes, inclusive e principalmente no Brasil.

    No país, os dados são brutais. A Igreja Católica brasileira tornou-se doadora universal de fiéis para outras religiões. Segundo o Censo, os católicos no Brasil despencaram de 89% da população brasileira em 1980 para 65% em 2010. Uma sangria de dezenas de milhões de fiéis.

    O catolicismo sempre marcou a história do Brasil, desde a cruz nas caravelas e a primeira missa, a catequização impiedosa de índios e africanos, a opção preferencial pelos ricos e depois pelos pobres, o apoio à ditadura e ao fim da ditadura. Rígida e tolerante, sincrética, a Igreja Católica brasileira tem ainda papel importante na vida do país.

    Mas é um poder que encolhe rapidamente diante da modernidade e da investida evangélica, tão espiritual quanto midiática, muito mais aparelhada que o tradicionalismo católico para exaltar como benção o novo consumismo brasileiro, que, afinal, é o que nos separa dos brasileiros de antigamente.

    É incrível a sucessão de igrejinhas evangélicas, muitas do tamanho da casa ao lado, espalhadas por todos os lugares do Brasil, surfando no empreendedorismo local. Roma não tem como competir, falta até padre.

    Por mais que os especialistas prevejam continuísmo no próximo papa, não creio. Até a Igreja Católica percebeu que a Igreja Católica precisa se atualizar. Bento 16 criou uma conta no twitter, mas renunciou numa carta em latim.

    Mentor teológico de João Paulo 2º, Bento, o Breve, como ressaltou editorial desta Folha, não fez quase nada para reaproximar a igreja de seu rebanho. Pelo contrário. A oposição firme ao uso de preservativos, a manutenção firme do celibato, a oposição firme ao homossexualismo, a limitação firme do lugar da mulher, a condenação frouxa dos imperdoáveis casos de abuso sexual na própria Igreja afastaram e afastam europeus, americanos e latino-americanos.

    Em relação ao novo mundo em que vivemos (pouco depois da renúncia, o Parlamento da França católica aprovou a união homossexual), o futuro ex-papa tomou o caminho oposto, declarando sua opção pelos fiéis mais fiéis aos dogmas católicos.

    Em relação ao Brasil, Bento 16 mostrou-se pouco capaz de impedir a corrosão no país com maior número de católicos do mundo, 123 milhões: 1 em cada 10 católicos do mundo é brasileiro. Bento esteve aqui em seu breve papado, sem comover como João Paulo 2º, e viria de novo na jornada da juventude neste ano. O que mostra que a Igreja está ciente do perigo que corre no Brasil.

    O grande mistério da Igreja Católica brasileira é como por aqui não explodiu a onda de denúncias contra clérigos que abusaram sexualmente de coroinhas e outras crianças e jovens que frequentavam as igrejas. Nos Estados Unidos, no México e na Europa, os estragos são irrecuperáveis, do campo espiritual ao judicial e financeiro.

    Só nos EUA, um dos países com maior população católica do mundo, à frente de Itália, França, Espanha e Polônia, foram mais de 3.000 ações na Justiça contra a Igreja, que teve de pagar mais de US$ 2 bilhões em compensações. Várias dioceses pediram falência.

    Aqui, no maior país católico do mundo, terra da impunidade, apenas ganhou notoriedade o caso dos três de Arapiraca, em Alagoas.

    Dois monsenhores, um de 83 anos, e um padre foram acusados por ex-coroinhas de abusarem sexualmente deles quando ainda eram menores. Em 2011, o octogenário foi condenado a 21 anos de reclusão e os outros dois, a 16 anos. Recorreram na Justiça e foram expulsos da Igreja.

    O caso só explodiu em 2010 após a divulgação na TV de vídeo do idoso monsenhor fazendo sexo oral com uma das vítimas. Foram até ouvidos pela midiática CPI da Pedofilia. E ficou por aí. Não houve investigação sistemática por parte de ninguém.

    A enigmática renúncia do papa, como a de Jânio Quadros, levanta muito mais perguntas do que respostas. Ela atesta o fracasso do infalível e a necessidade de que o próximo ocupante do trono de São Pedro esteja mais sintonizado com o reino dos homens (e das mulheres) do que com o reino divino.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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