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    Sérgio Malbergier

    Lula no lugar de Chávez

    07/03/2013 03h00

    Se Hugo Chávez fez bem ao Brasil enquanto governou a Venezuela, sua morte traz potencial enorme de ganho ao nosso país. Lula e Chávez rivalizavam pela alma da esquerda continental. Mas sem Chávez não pode haver chavismo, enquanto a mística lulista segue forte.

    Chávez foi bom para o Brasil política e economicamente. Na economia, abriu o mercado venezuelano a produtos e serviços brasileiros, e seu radicalismo fez o Brasil parecer muito mais liberal economicamente do que de fato somos. Na política, o eixo Caracas-Brasília, que ganhou força ainda com FHC e se intensificou com Lula-Dilma, promoveu novo pacto regional: a América do Sul para os sul-americanos, uma bem-sucedida aliança forjada no combate à influência dos EUA na região, que Washington, com foco e recursos voltados à estéril guerra ao terror, não conseguiu deter.

    Mas o chavismo era Chávez: seu carisma, sua força bruta, sua conexão fervorosa com o povo. Os chavistas que ele escolheu para sucedê-lo não sustentarão essa conexão. Nicolás Maduro, presidente interino e candidato nas eleições em 30 dias, é um ex-motorista de ônibus e sindicalista muito ligado a Cuba. Diosdado Cabello, presidente do Parlamento, é um ex-militar associado a suspeitas de corrupção. A soma do carisma de ambos é quase zero.

    Mesmo tendo enganado os eleitores ao garantir desde as eleições do ano passado que Chávez seria capaz de governar por mais seis anos, o bloco chavista parece ainda favorito nas eleições. Até porque o martírio messiânico do comandante foi esticado ao máximo para comover ainda mais o eleitorado.

    Mas a incerteza que Chávez legou à Venezuela deve seguir ou aumentar. Como a grande maioria dos países emergentes e exportadores de commodities, a Venezuela bolivariana melhorou seus índices sociais na última década com a chuva de petrodólares (US$ 1 trilhão no período; grande parte vinda dos EUA), mas a economia enfrenta graves problemas, falta energia nos Estados, o parque fabril está em crise, o país importa quase tudo, recente maxidesvalorização da moeda pressiona a inflação já alta. E a oposição, mesmo se perder esse primeiro pleito pós-martírio, se sentirá mais confiante.

    Nesse cenário interno tão complicado, será difícil manter a custosa política externa chavista, que conquistava aliados com petróleo subsidiado e ajuda direta a países como Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua, República Dominicana.

    E com Chávez fora de cena, não há líder sul-americano que rivalize com Lula.

    O petista foi a maior contribuição que a esquerda poderia dar à consolidação do capitalismo no Brasil. Dentro do pêndulo regional direita-esquerda, tivemos o esquerdismo de direita (ou o direitismo de esquerda) de Lula enquanto os vizinhos tiveram Chávez, Kirchners, Morales, Correa, Ortega. Nessa escala, fomos muito bem.

    Sem rival, Lula agora poderia fazer um giro por nações bolivarianas para promover o bem sucedido modelo brasileiro de nação tolerante, capitalista, democrática, sul-americana. Os bolivarianos de todo o continente, e eles são muitos, ficaram órfãos e buscam direção.

    Dilma já mostrou que não tem muito interesse no mundo exterior. Seu suave chanceler reflete isso. E Lula seria mesmo nosso melhor mensageiro, nosso Pelé diplomático. Mas Lula está de olho fixo no Brasil. Claro. Com o pibinho duplo ele já saiu do banco de reservas para comandar a reeleição petista. Talvez nos intervalos da campanha, possa comandar também uma ofensiva pela alma sul-americana. As condições nunca foram tão propícias, e os ganhos para nossa posição no mundo podem ser enormes.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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