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    Sérgio Malbergier

    Little Brazil

    08/08/2013 03h00

    A política externa nunca foi prioridade no Brasil, dadas a nossa tendência insular e a ineficiência geral do país e dos governos. Na era da globalização de alto impacto, o custo político e econômico dessa ineficiência aumentou.

    Como seus anteriores, mas ainda mais, Dilma não prioriza a diplomacia. Ela colocou um diplomata discreto no comando da Chancelaria, o que, ao contrário de ser uma redundância, é um agravante. Outro: Antonio Patriota, como expôs a coluna de Mônica Bergamo, é fã de Slavoj Zizek, o filósofo radical esloveno que tem na radicalidade seu único mérito, já que está sempre do lado errado da razão.

    Patriota, em entrevista a esta Folha nesta semana, lançou com a discrição de sempre uma pérola-bomba: "Há grande sensibilidade no Irã sobre os direitos humanos".

    É o tipo de concessão típica que diminui o Brasil. Ganharíamos muito mais se nos projetássemos no mundo como defensores dos direitos humanos, não apaziguadores de crimes hediondos.

    Diz o relatório 2013 da Anistia Internacional sobre o Irã:

    "Pessoas que criticaram e se opuseram ao governo foram presas e detidas de modo arbitrário pelas forças de segurança, mantidas incomunicáveis por períodos prolongados e privadas de tratamento médico. Muitas foram torturadas ou sofreram maus-tratos. Dezenas foram sentenciadas a penas de prisão após julgamentos injustos."

    Mais: "As mulheres sofreram discriminação na lei e na prática, com relação a casamento e divórcio, herança, custódia dos filhos, nacionalidade e viagens internacionais. Mulheres que infringiram o código de vestuário obrigatório foram expulsas da universidade."

    E muito mais. Mas, para Patriota, "há grande sensibilidade no Irã sobre os direitos humanos". É um escândalo invisível, que diminui o Brasil.

    Diante de tantas possibilidades, nossa política externa é redutora. Praticamos justamente o contrário da altivez dos discursos. Só conseguimos olhar para baixo, para o Sul, quando o Brasil, tolerante, multiétnico, pacífico, pode ocupar lugar só seu unindo Norte e Sul, ricos e pobres.

    Atolamos no Mercosul, que, dado o sucesso da unificação europeia, parecia o caminho simples e óbvio de desenvolvimento regional. Mas subestimamos a capacidade regional de contrariar o óbvio. E o Mercosul foi encolhendo mesmo ao se expandir. A entrada de Venezuela e futuramente Bolívia mais nos isola do que nos conecta ao mundo, impedindo acordos comerciais relevantes.

    E apesar de precisarmos urgentemente conquistar mercados e investidores dos países ricos, seguimos atacando sem constrangimento as políticas econômicas que seus governos eleitos democraticamente adotaram contra a crise (imagine a revolta por aqui se fossem os presidentes de EUA e Europa a atacar frequentemente nossa política econômica).

    Na área política, é a mesma ineficiência. Estamos a reboque dos bolivarianos e kirchneristas do Mercosul mesmo em questões locais, como a perseguição ao Paraguai, e entramos frequentemente de gaiato em seus confrontos com americanos e europeus.

    Contaminamos a diplomacia com um ideologismo terceiro-mundista, esquerdizante, antiamericano que é barreira óbvia para uma diplomacia comercial e política de resultados.
    Nos anos Lula, apesar dos desvios ideológicos, tivemos pelo menos intensidade, com o carisma do presidente e o hiperativismo do chanceler Celso Amorim surfando na nova força econômica que projetou o Brasil como gigante democrático e capitalista.

    Com Dilma, tudo isso piorou. Perdemos voz, liderança e mercados. Ninguém vai sair nas ruas protestando pela falta de eficiência de nossa política externa, embora ela traga muito mais prejuízos do que se imagina.

    Nesse contexto, não deixa de ter beleza revolucionária o ataque incidental dos manifestantes de junho contra o elegante Palácio do Itamaraty. Num pensamento zizekiano (e não tente entendê-los), uma violência justificável como alegoria do atraso diplomático.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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