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    Sérgio Malbergier

    Faltou luz no Natal

    DE SÃO PAULO

    26/12/2013 03h30

    Foi a tempestade perfeita. No momento pós-tudo, pós-ceias, amigos secretos, pós-13, quando, pós-peru e espumante, o corpo vencido mergulha deitado no profundo nada televisivo, faltou luz.

    Um Natal sem luz é a cara de São Paulo, que é a cara do Brasil, onde ninguém tem culpa de nada, só méritos. A culpa é sempre dos outros, do sistema, do Brasil, do STF, do antecessor, do sucessor, do patrão, do empregado, dos portugueses, dos americanos. Freud e Maquiavel explicam o fracasso do Brasil. Investimentos insuficientes em infraestrutura explicam a falta de energia no bairro, tão irritante quanto corriqueira.

    O problema é que o problema parece insolúvel. O rabo de novo conduz o cachorro. A política avançou muito menos que a economia nos últimos 20 anos, mas é ela quem democraticamente comanda o país. Basicamente, contratamos pelo voto o causador do problema para tratar do problema que ele causa. É um sistema retroalimentado, autossustentável e extremamente lucrativo. As chances de derrotá-lo são mínimas.

    As chances de ele nos derrotar são enormes. Está acontecendo. As ineficiências do Estado, dos serviços públicos, são como bolas de cimento amarradas nos pés já mancos de nossa economia. Assim não chegamos à metade do caminho.

    Haja desperdício, mas algo se aprende. Depois de três anos tentando liderar o crescimento de Brasília, até este governo percebeu que só a iniciativa privada salva. A pública é uma iniciativa provada falha. A infraestrutura está sendo privatizada pelo PT, o partido que sempre as denunciou. Um avanço, de fato, mas perdemos três anos para ganhar um, coincidentemente, o ano da eleição.

    Mais explicitamente cínico é o programa Mais Médicos. Como o Datafolha já constatou, a saúde é o maior problema do país para grande parte dos brasileiros. A importação de médicos cubanos está longe de resolver esse problema, mas é muito eficiente no marketing eleitoral.

    A importação de médicos de Cuba é expediente usado por países de saúde pública precária, um atestado de fracasso nacional na área. Que aqui é tratado como sucesso. Brilhante.

    Tem a mesma beleza poética do voo do presidente do Senado, Renan Calheiros, em avião da FAB para fazer um implante capilar no Recife poucos dias antes de ir ao ar seu pronunciamento nacional de rádio e TV divulgando medidas de austeridade adotadas na sua gestão.

    Já escrevi aqui várias vezes e repito sob esse apagão de Natal: o apagão nacional só será revertido quando o povo voltar às ruas e exigir de forma consistente mais eficiência dos serviços públicos, entre os quais, os essenciais serviços políticos.

    É isso ou esse quase nada vendido como quase tudo. Da ditadura militar à ditadura do marketing. Um saco essa falta de luz.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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