O Brasil ficou muito ofendido com as camisetas de apelo sexual que a Adidas fez para a Copa do Mundo. Caímos no raro conforto da certeza absoluta: deve-se combater o turismo sexual, ponto. Da presidente para baixo, todo mundo atirou. E a multinacional patrocinadora da Copa suspendeu a produção.
Muito justo.
Dito isso, as camisetas eram divertidas, politicamente incorretas como os torcedores de futebol. Criadas, segundo a empresa, para vendas só no mercado americano, uma estampava a frase "I coração Brazil", com o coração transformado em corpão de mulher de fio dental; a outra trazia um mulherão segurando bola, paisagem carioca e a frase "Lookin' to Score" (duplo sentido para "querendo marcar" ou "querendo arrumar mulher").
Perto daquela moça-vinheta dançando nua todo dia na TV (minha filhinha de 5 anos outro dia perguntou: por que a mulher tá nua, pai? eu disse que era o calor!) e da cobertura carnavalesca focada nos atributos femininos, as camisetas são até suaves.
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Camisetas fabricadas pela Adidas causaram polêmica por ter uma conotação sexual |
E essa imagem de terra sensual da "morena sestrosa de olhar indiferente" não foi criada por um desenhista de camisetas estrangeiro, mas por Ary Barroso, Jorge Amado, Jorge Ben, Di Cavalcanti e outros notáveis. O Rio ser referência sexual (ou sensual) do planeta é bom ou ruim? E o deputado federal do mesmo Rio fazer propaganda de cerveja?
E se o fio dental não nos representa, o que podemos colocar no lugar?
Quando ganhamos (e celebramos) o direito de realizar a Copa, em 2007, o clima era outro. As massas finalmente ascendiam ao mercado e, por consequência, à cidadania. Parecia então que, em 2014, essa ascensão transformadora estaria a pleno vapor, moldando um novo Brasil e um novo brasileiro/brasileira.
Nos últimos anos, porém, o país empacou (por culpa dos outros, que fique claro). E aparecemos de costas, não de frente, em camisetas promocionais do torneio. O que, tirando e condenando veementemente toda conotação de turismo sexual, tem lá seu sentido.
É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".