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    Sérgio Malbergier

    O traseiro como símbolo nacional

    27/02/2014 04h00

    O Brasil ficou muito ofendido com as camisetas de apelo sexual que a Adidas fez para a Copa do Mundo. Caímos no raro conforto da certeza absoluta: deve-se combater o turismo sexual, ponto. Da presidente para baixo, todo mundo atirou. E a multinacional patrocinadora da Copa suspendeu a produção.

    Muito justo.

    Dito isso, as camisetas eram divertidas, politicamente incorretas como os torcedores de futebol. Criadas, segundo a empresa, para vendas só no mercado americano, uma estampava a frase "I coração Brazil", com o coração transformado em corpão de mulher de fio dental; a outra trazia um mulherão segurando bola, paisagem carioca e a frase "Lookin' to Score" (duplo sentido para "querendo marcar" ou "querendo arrumar mulher").

    Perto daquela moça-vinheta dançando nua todo dia na TV (minha filhinha de 5 anos outro dia perguntou: por que a mulher tá nua, pai? eu disse que era o calor!) e da cobertura carnavalesca focada nos atributos femininos, as camisetas são até suaves.

    Reprodução
    Camisetas fabricadas pela Adidas causaram polêmica por ter uma conotação sexual
    Camisetas fabricadas pela Adidas causaram polêmica por ter uma conotação sexual

    E essa imagem de terra sensual da "morena sestrosa de olhar indiferente" não foi criada por um desenhista de camisetas estrangeiro, mas por Ary Barroso, Jorge Amado, Jorge Ben, Di Cavalcanti e outros notáveis. O Rio ser referência sexual (ou sensual) do planeta é bom ou ruim? E o deputado federal do mesmo Rio fazer propaganda de cerveja?

    E se o fio dental não nos representa, o que podemos colocar no lugar?

    Quando ganhamos (e celebramos) o direito de realizar a Copa, em 2007, o clima era outro. As massas finalmente ascendiam ao mercado e, por consequência, à cidadania. Parecia então que, em 2014, essa ascensão transformadora estaria a pleno vapor, moldando um novo Brasil e um novo brasileiro/brasileira.

    Nos últimos anos, porém, o país empacou (por culpa dos outros, que fique claro). E aparecemos de costas, não de frente, em camisetas promocionais do torneio. O que, tirando e condenando veementemente toda conotação de turismo sexual, tem lá seu sentido.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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