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    Sérgio Malbergier

    No time errado e sem posição

    DE SÃO PAULO

    06/03/2014 06h20

    Ao enviar tropas e agitadores para tomar de assalto a Crimeia, na Ucrânia, o governo Putin violou grosseiramente a soberania do país vizinho e uma das maiores bandeiras da diplomacia brasileira: a não ingerência de forças externas em assuntos nacionais.

    A intervenção russa estremeceu o mapa geopolítico global, mas o Itamaraty não vê urgência em posicionar o Brasil. Adotamos a sapiência dos omissos. Até ontem, a última nota oficial da Chancelaria era de 19 de fevereiro, na qual reiterava nossa posição histórica: "A crise política na Ucrânia deve ser equacionada pelos próprios ucranianos, de forma pacífica e com base no respeito às instituições e aos direitos humanos".

    Depois disso, ao ser questionado por Eliane Cantanhêde nesta Folha, o chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, subiu em zigue-zague no muro de Brasília: "A Ucrânia era parte da União Soviética, a Rússia tem a base naval de Sebastopol na Crimeia, e a Ucrânia tem uma importante população de origem étnica russa que ainda hoje fala russo. Então, é uma questão de complexidade internacional. Esperamos que o povo ucraniano chegue a uma solução. No mais, eu não posso especular."

    O Brasil não especula nem faz política externa. Apesar da postura pomposa da diplomacia na Era PT, perdemos voz nas grandes crises mundiais, amarrados por ideologias, estratégias e alianças equivocadas ou anódinas.

    O terceiro-mundismo, agora chamado de eixo Sul-Sul, não é problema novo na política externa brasileira. Até a ditadura militar flertava com o não-alinhamento quando podia divergir de Washington. Mas um equívoco antigo não o transforma em equívoco menor, pelo contrário.

    O mundo está se reorganizando em novos blocos e acordos comerciais. O dinamismo econômico voltou para o hemisfério Norte. As economias da Rússia, da Índia, do Brasil e mesmo da poderosa China desaceleram, enquanto as tradicionais potências ocidentais recuperam força.

    O Brasil recusa convites insistentes para entrar na OCDE, cobiçada organização de países desenvolvidos. Negociações de acordos comerciais valiosos com Europa e América do Norte vão para a gaveta enquanto se cria rapidamente associações sem foco prático como o BRICS (com Rússia, China, Índia e África do Sul).

    Fizemos a opção pelos pobres, quando o Brasil, potência emergente ocidental, pode ser a ponte ideal entre Norte e Sul.

    Nossas credenciais geoeconômicas e geopolíticas impressionam: uma das maiores democracias do mundo, uma das maiores economias do mundo, dominante na América do Sul, dominante em mercados-chave como alimentos, energia e minérios, mercado interno enorme, inestimáveis reservas ambientais, estabilidade política, ausência de conflitos armados com outros países.

    É uma lista de atributos que deveria assegurar posição muito mais forte ao Brasil no grande jogo das nações.

    Mas quando a crise ucraniana, filha extemporânea da Guerra Fria, recompôs o tabuleiro das grandes nações, ficamos sem posição e no time errado. Pior que isso, só apoiando os russos. Melhor não dar ideia...

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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