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    Sérgio Malbergier

    A emergência dos ricos e o ocaso dos quase ricos

    13/03/2014 06h45

    A revista anglo-saxônica "Economist", guia dos povos, colocou em algum ano perdido desta década o mapa-múndi de cabeça para baixo, com o Sul no Norte, e o Norte no Sul. Fez o maior sucesso. Muita gente embarcou na previsão de que a grave crise econômica do Hemisfério Norte faria as nações ricas afundarem em merecido declínio, enquanto, ato contínuo, as potências emergentes ascenderiam ao paraíso da afluência.

    A crise foi de fato dura e longa no Norte, nem acabou em algumas partes. Mas o bloco dos ricos parece hoje mais forte (ou menos frágil) que ex-futuros ricos como nós, os russos, os turcos, os indianos, os indonésios, os egípcios, os argentinos, os venezuelanos...

    Como explicar essa reversão? Parece simples. Apesar da crise, os países ricos mantiveram capacidade muito superior de governança política e econômica, que foi capaz de conduzi-los de volta ao crescimento com relativa estabilidade e conforto, apesar das grandes dificuldades.

    Mesmo em países dos mais afetados pela crise, como Reino Unido e Espanha, partidos de centro-direita foram eleitos defendendo ajuste duro das contas públicas, com redução de gastos sociais. Até os EUA de Barack Obama elegeu maioria conservadora na Câmara dos Deputados que impôs corte de gastos e paralisou o governo em nome do equilíbrio das contas públicas.

    Enquanto isso, nos então ainda futuros ricos, democracias populistas e regimes autoritários distribuíram a nova riqueza, advinda principalmente do comércio com as nações ricas, em privilégios a elites amigas e benefícios às massas, perpetuando no processo ineficiências graves e limitadoras na economia e na política.

    A China segue a mais dinâmica potência econômica do mundo, mas justamente porque cada vez mais se abre ao capitalismo liberal. Pequim sabe que é a única forma de criar riqueza suficiente para sustentar o regime. Assim, o Partido Comunista chinês estabeleceu o maior esquema global de exploração do operariado, que rende gordos lucros às multinacionais capitalistas.

    Na Rússia, em decadência econômica e demográfica, Putin se assumiu como um conservador moralista, autocrático e truculento, que esmaga a oposição, a imprensa livre e as liberdades individuais e empresariais, invade vizinhos para impedir alinhamento com o Ocidente, como fizeram praticamente todos os países ex-comunistas europeus, e ainda sustenta regimes insustentáveis como o sírio.

    Na Turquia, outra estrela emergente, o governo Erdogan flerta com o autoritarismo enquanto enfrenta acusações de corrupção, protestos de rua, fragilidade econômica. A Índia também desacelerou dramaticamente e pode eleger nas próximas eleições um líder hinduísta capaz de reacender as tensões com a enorme minoria islâmica.
    No Brasil, você já sabe onde paramos.

    São países com governança pública e privada muito inferiores aos dos países ricos. E ela talvez seja o principal fator de desenvolvimento nacional, como sugerem os desdobramentos da grande crise.

    Além do mapa-múndi da Economist, outro momento icônico da euforia emergente foi a tirada pública que Lula deu no premiê Gordon Brown, durante visita do britânico à Brasília em 2009. "A crise foi causada por comportamento irracional de gente branca de olhos azuis, que antes parecia saber de tudo e agora demonstra não saber de nada", disse Lula sob a mira dos olhos azuis de Brown e da imprensa mundial.

    Ao final, como no começo, parece que eles sabem alguma coisa a mais do que nós.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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