• Colunistas

    Saturday, 18-May-2024 23:56:14 -03
    Sérgio Malbergier

    O grande legado de Dilma

    27/03/2014 03h00

    Quem tem mais de 30 anos lembra os anos loucos da economia brasileira, da hiperinflação, dos calotes, da certeza de que éramos incapazes de sair daquele buraco no qual a ditadura havia lentamente nos enterrado.

    Era moda dizer que era impossível saber o preço da Coca-cola e que banco seguro era banco suíço. Época em que desesperados com o caos econômico criaram a brigada de fiscais do Sarney, é isso mesmo, fiscais do Sarney, para caçar remarcadores de preço e produzir a cena maoista-tropicalista do gerente de supermercado entrando no camburão na tela do Jornal Nacional. Era época em que se confiscava a poupança do país numa canetada, de surpresa, sob o aplauso de alguns e protestos de menos ainda.

    Naquele caos pós-big bang democrático, o Plano Real veio como passe de mágica econômico e político. Econômico, ao matar a inflação reciclando plano israelense e abrir caminho para a estabilidade econômica. Político, ao transformar o PSDB no partido que é (ou foi), elegendo FHC em primeiro turno em 1994 –em 1989 Covas teve só 11% e ficou em quarto lugar na corrida presidencial.

    FHC e Lula eram os melhores quadros de seus respectivos grupos, e o Brasil teve 16 anos seguidos de consistência e destino. Aí veio Dilma. A gerente-presidente assumiu o comando do país no melhor momento histórico, animado, crescendo, confiante. Com o primeiro mandato já quase segunda campanha, é possível começar a medir seu legado.

    Qual é a grande marca de Dilma?

    A um país cético, FHC mostrou que a estabilidade era possível e ainda deu um spray iluminista na consolidação democrática e institucional. Lula, primeiro presidente pobre do Brasil, pôs pela primeira vez os pobres no centro do Brasil com resultados presumivelmente extraordinários. Lula consolidou a economia de mercado e ainda pacificou nossa esquerda.

    E Dilma?

    A presidente apostou tudo numa visão de Estado forte, que seria mais capaz e legítimo que outros agentes para ditar os rumos da economia e do país. Baixou juros na marra, subsidiou a energia, tabelou retornos. Os resultados estão aí.

    O país brecou. E agora anda devagar.

    A sensação é de que voltamos a perder anos, empacamos. Comunidades pacificadas do Rio de Janeiro voltam a guerrear na véspera da Copa. A violência recrudesce. A corrupção devora o Estado. Os impostos aumentam. Os serviços públicos seguem ruins. O Judiciário é lento. A saúde e a educação públicas são precárias. Sem falar da infraestrutura, dos transportes, dos preços não subsidiados, das prisões infernais segundo admitiu o próprio ministro da Justiça.

    Apesar desse registro, Dilma segue favorita nas eleições, suportada pela renda e emprego em níveis altos, assistencialismo social e o conservadorismo brasileiro.

    O PT, o mais inteligente e articulado dos partidos, depois de capitalizar o sucesso do capitalismo brasileiro agora se beneficia do conservadorismo dos rincões, onde ninguém quer arriscar perder os ganhos e os benefícios dos últimos 12 anos.

    Como seu plano econômico fracassou, pode ser este o legado de Dilma: A consolidação de um modelo populista moderado, com apoio eleitoral da base da pirâmide e centralismo econômico, capaz de ganhar eleições mesmo em conjuntura adversa pela qual pode ser responsabilizado.

    É governar subestimando os eleitores, e isso sempre traz riscos.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024