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    Sérgio Malbergier

    Ouvindo o que o governo não está dizendo

    15/05/2014 09h09

    Lula já é o candidato do PT em ao menos uma dimensão. São seus feitos que estão sendo divulgados na chamada pré-campanha. No lugar do balanço do governo Dilma, o balanço dos 12 anos de PT. Sai o Brasil bola murcha, entra a contabilidade épica da era Lula: dezenas de milhões ascenderam à classe média, outros tantos milhões de empregos foram criados, muitos bilhões foram gastos em programas sociais.

    Em 12 anos, de fato, muita riqueza foi criada no Brasil (como, aliás, em quase todos os países). A adesão de Lula ao capitalismo destravou a economia. Até os postes sabem que foi indo para a direita que o PT primeiro ganhou a eleição presidencial e depois acertou o rumo na condução econômica.

    Mas Dilma decidiu mudar o que ia bem. Acha que o governo sabe mais e pode mais. Não deu certo. Nunca deu. Até as massas perceberam. A avaliação da presidente despencou, e sua reeleição, um passeio antes das passeatas, está ameaçada. As marchas de junho e a paralisia econômica explodiram o discurso ufanista do governo. Como o mal estar é geral, e o clamor é por mudança, não dá para seguir dizendo que está tudo ótimo. Então se diz que o partido da mudança é o partido que está no poder há 12 anos. Difícil.

    Mesmo quando tenta se defender, o governo se atrapalha. A entrevista do ministro Aloizio Mercadante nesta Folha é reveladora, e não só por assumir que o governo administra preços para controlar a inflação (no que logo depois foi desmentido por Mantega).

    Folha: O que está errado na economia?

    Mercadante: Nós sempre temos que melhorar. Uma das coisas que precisa melhorar é a qualidade do debate econômico do país. Esse é meu esforço hoje. Estou tentando mostrar que não houve tempestade perfeita, não houve e não haverá descontrole da inflação. Não houve aumento do desemprego, recessão, e não haverá. Não há apagão nem risco de apagão. Não tem nenhuma semelhança com o que aconteceu em 2001 e as obras da Copa estão todas sendo entregues, nós faremos a Copa das Copas.

    Se o esforço do ministro da Casa Civil hoje é para melhorar o debate econômico, ele vai precisar se esforçar mais nas respostas.

    Mas tem mais. Rui Falcão, o presidente do PT e um dos coordenadores da campanha de Dilma, defendeu nesta semana maior controle sobre o capital externo "especulativo", uma posição que não é novidade e até já foi adotada pelo governo antes. Mas num clima eleitoral tão tenso, as palavras de Falcão assustaram o mercado, assim como o tom exaltado de Mercadante.

    Entre tantas incertezas, a grande dúvida sobre Dilma é se ela vai dobrar a aposta na sua política econômica intervencionista ou se vai voltar para o centro, de onde Lula governou com resultados muito melhores.
    "Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja responsabilidade primeira é do atual governo", como disse Lula em sua famosa "Carta ao Povo Brasileiro", de junho de 2002.

    Lula teve a humildade e a inteligência de escrever um documento aos brasileiros dizendo que se ganhasse as eleições presidenciais não faria nenhuma das loucuras econômicas que o PT pregara até ali. Lula é grande tanto pelo que fez quanto pelo que não fez. Dilma, para emular seu criador, teria de se comprometer a não fazer o que fez até aqui. Ela não parece disposta a isso. Alguém vai pagar o preço.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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