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    Sérgio Malbergier

    Tijolada no Ocidente

    17/07/2014 08h31

    Os Brics são a ponta de lança do redivivo terceiro-mundismo global. A eloquente Carta de Fortaleza, que reuniu os entendimentos da cúpula do bloco nesta semana no Brasil, tem como substância principal o desejo de incomodar a ordem ocidental baseada em economia de mercado e democracia.

    Deu para ver a mão da presidente Dilma (e do Partido Comunista chinês) na eloquente Carta de Fortaleza, que reuniu os entendimentos da cúpula dos Brics: "Reconhecemos o importante papel que empresas estatais desempenham na economia e encorajamos nossas Estatais a continuar a explorar vias de cooperação, intercâmbio de informações e melhores práticas", diz o 23º dos 72 itens do documento oficial.

    Disponível no site do Itamaraty, é uma Carta tão extensa quanto vaga, cobrindo os mais variados assuntos de uma forma tão profunda quanto a união entre países tão diferentes permite.

    De eleições na Guiné-Bissau a cotas do FMI; do conflito árabe-israelense ao aquecimento global; do sequestro de garotas na Nigéria à pirataria global: o que fica claro nessa nuvem de temas é o desejo de seus membros (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de firmarem uma aliança neoterceiro-mundista que pode ser útil mais para interesses individuais de cada nação do que para interesses comuns do bloco.

    Os Brics foram uma criação brilhante de um banco americano, o Goldman Sachs, interessado em empacotar e vender ao mercado produtos e serviços financeiros relacionados às grandes economias que emergiam no começo deste século. Fez o maior sentido do ponto de vista de um operador de Wall Street e curiosamente animou politicamente os dirigentes desses países, que usaram a jogada de marketing do Goldman Sachs para criar um bloco internacional. Quer prova maior da sabedoria do mercado?

    Assim, o presidente russo, Vladimir Putin, sob críticas e punições do mundo ocidental por ter anexado a Crimeia ao arrepio da lei internacional, teve em Fortaleza o apoio internacional que tanto precisava. Por isso, não parece coincidência os EUA e a União Europeia terem anunciado novas sanções contra a Rússia bem no momento em que Putin recebia acolhida calorosa no Ceará.

    Um dos tópicos mais enigmáticos da Carta de Fortaleza é a que trata dos direitos humanos. Com uma ditadura dura (China) e um regime cada vez mais autoritário (Rússia) entre seus membros mais poderosos, os Brics anunciaram: "Acordamos em continuar a tratar todos os direitos humanos, inclusive o direito ao desenvolvimento, de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Fomentaremos o diálogo e a cooperação com base na igualdade e no respeito mútuo no campo dos direitos humanos... levando em conta a necessidade de promover, proteger e realizar os direitos humanos de maneira não seletiva, não politizada e construtiva, e sem critérios duplos".

    É nesse grupo que a política externa brasileira nos colocou, de chancelar a política de "direitos humanos" de ditaduras e apaziguar anexadores de território alheio.

    Fomos convidados insistentemente e recusamos insistentemente entrar na OCDE, a organização de países desenvolvidos que apoia o desenvolvimento, a democracia e a economia de mercado, da qual o México já faz parte. Preferimos o terceiro-mundismo que idolatra o Estado e relativiza os direitos humanos.

    O Brasil, democrático, capitalista, pacífico, ocidental, poderia ser uma ponte entre os dois blocos, entre o Norte e o Sul, entre desenvolvidos e emergentes. Mas nossa política externa é redutora.

    Ao invés da ponte, vamos, de tijolo em tijolo, erguendo muros na relação com aliados históricos e parceiros econômicos fundamentais como Europa Ocidental e Estados Unidos.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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