• Colunistas

    Saturday, 18-May-2024 08:42:10 -03
    Sérgio Malbergier

    O enclave

    30/10/2014 02h00

    Convoque seu Buda para os próximos quatro anos. A presidente reeleita não fica bem no figurino de conciliadora. Estava muito mais à vontade no ataque. E ainda teve o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dizendo que a eleição mostrou a aprovação do povo à política econômica. Isso sim é contabilidade criativa.

    Depois dessa overdose eletrizante de política, dá até preguiça pensar no assunto. A ansiedade que o Acre causou ao país deu vontade de devolver o Estado à Bolívia. Mas depois o atraso mostrou-se prudente. Imagine se a apuração tivesse começado às 17h, quando as urnas fecharam por aqui, e até 19h30 ainda mostrassem o PSDB à frente. Ia ser uma loucura.

    Quando o resultado finalmente apareceu na tela da TV, depois de intermináveis três horas, Dilma já estava à frente e com a peleja praticamente decidida. Muita gente que não está nem aí para a política chorou, outros saíram à janela a gritar o tradicional "Fora PT". E, na segunda-feira, todos foram trabalhar.

    Nem os vencedores andam animados, ao menos aqui no enclave. Parece haver mais corintianos que eleitores da presidente em São Paulo. Quando eles ganham qualquer campeonato, muito menos disputados que a última eleição, saem em número muito maior às ruas e ficam a semanas desfilando com camisas alvinegras. Já os petistas celebraram de forma bem menos efusiva. Não se vê vermelho além da língua que sai do Auditório do Ibirapuera, das faixas de ciclovias e das colunas do Masp.

    Junto com o Congresso mais conservador, que ainda nem assumiu e já, remota e espetacularmente, impõe derrotas ao governo, São Paulo será o contraponto ao poder do PT e satélites, seu muro de contenção. Aqui se concentra o poder intelectual e econômico e a imprensa independente capazes de moderar o governo que a cada dia, e foram poucos dias, fica mais distante do discurso paz e amor da noite de domingo.

    O PT está no seu momento mais fraco desde que chegou à Presidência, mas na eleição mostrou que ainda tem muita e mais força. Eleger uma candidata sem carisma como Dilma, no meio de estagnação econômica e escândalos de corrupção, é uma façanha inédita na história da democracia. Um milagre que dá para explicar.

    Primeiro presidente pobre, Lula colocou os pobres no centro das políticas do governo e foi para o abraço. Sua maior sacada foi fazer um governo de direita na economia, que estimulou os empresários e os investidores. O desenvolvimento econômico conquistado pelas empresas privadas, quem de fato gera empregos e distribui renda, criou riqueza suficiente para distribuir aos necessitados e outros gastos. Lula cooptou o capitalismo brasileiro (ou melhor, foi cooptado por ele) e conseguiu colocar na conta do PT esse salto transformacional que garantiu café da manhã, almoço, jantar, emprego e o sonho da casa própria a todos. Não é pouca coisa.

    Agora Dilma vai para merecido descanso em praia na Bahia. Seu genial marqueteiro vai para Paris. Aécio vai para Europa. Os humoristas vão contar piadas. E nós ficamos aqui, com o país que criamos e o governo que elegemos.

    A eleição pode ter sido muita coisa, mas ela foi legítima. A vitória de Dilma foi incontestável. A demonstração de força da outra metade de brasileiros que não votou nela, também. Para Dilma ter melhor desempenho no segundo mandato, precisa entender isso. Se não vamos ter muito estresse desnecessário.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024