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    Sérgio Malbergier

    Nem todos somos judeus

    15/01/2015 07h15

    Nada mais lapidar sobre a necessidade de um Estado judeu no mundo do que os ataques terroristas de Paris.

    Todos (que se importam) sabem que os judeus franceses e europeus vivem com medo há anos. São alvos frequentes de hostilidades e agressões não mais apenas da extrema direita, mas, mais ainda, dos muçulmanos extremistas e dos nem tão extremistas assim e dos esquerdopatas que os apoiam.

    Sintomaticamente, as famílias dos quatro judeus assassinados no supermercado kosher preferiram enterrá-los em Jerusalém do que em solo francês.

    É para Israel que boa parte da comunidade judaica francesa e de outras partes da Europa planeja emigrar (ou fugir) dada a complacência com que se aceita esse novo antissemitismo –geralmente disfarçado de antissionismo, mas cada vez mais assumido.

    Antes mesmo dos ataques deste ano, milhares de franceses judeus já vinham deixando o país –no ano passado, pela primeira vez na história, a França foi o país de onde mais judeus emigraram para Israel.

    Os relatos de ataques e abusos são constantes e crescentes entre os judeus franceses, belgas, britânicos, alemães e etc. Na guerra de Israel contra o Hamas no ano passado, manifestações em grandes cidades europeias cantaram abertamente morte aos judeus.

    Em 2012, o jovem francês de origem argelina Mohammed Merah desceu de uma moto diante de uma escola judaica em Toulouse e começou a atirar. Sua última vítima, Miriam, de 8 anos, ele perseguiu pelo pátio, agarrou pelos cabelos e, quando foi disparar, sua arma falhou. Ainda segurando Miriam pelos cabelos, ele trocou de arma e atirou na cabeça da menina, a centímetros de distância. Merah matou quatro judeus naquele dia, três deles crianças. E se tornou um herói entre muitos jovens árabes, cantado em verso e prosa na internet.

    Depois de cada barbaridade, autoridades francesas e europeias prometeram proteger as comunidades judaicas e atuar contra o radicalismo antissemita islâmico, mas, como se vê, deveriam ter se esforçado mais.

    Diariamente, o público árabe, das crianças aos idosos, inclusive os que moram na Europa, é bombardeado em todas as mídias com propaganda abertamente antissemita –de popularíssimos seriados de TV a jornais de grande circulação, passando por sites, blogs e tudo o que o século 21 proporciona para propagação do ódio.

    O antissemitismo é um fenômeno milenar, complexo e mutante, que se manifesta de formas explícitas e disfarçadas Para um olhar treinado (como o de todo judeu), porém, ele é sempre explícito e ofensivo. Mas quem se importa?

    Os judeus obviamente se importam, e sentem de experiência própria e trágica que é melhor não contar com os outros para se defenderem. Por isso pensam cada vez mais em partir da Europa para Israel.

    Vamos ver se a última tragédia na França mudará esse quadro. O fato de tão pouco tempo depois do Holocausto hordas europeias saírem frequentemente às ruas contra os judeus e, mais esporadicamente, os massacrarem à luz do dia não permite otimismo. Mas o otimismo nunca foi mesmo uma característica judaica.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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