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    Sérgio Malbergier

    Paris, Síria

    19/11/2015 08h54

    Os terroristas que barbarizaram Paris nesta semana não fizeram aquilo por serem oprimidos e discriminados pela sociedade francesa. Opressão e discriminação são comuns no mundo todo. Fizeram aquilo por serem soldados de uma facção extremista, violenta e relativamente popular do islamismo em guerra pela restauração do califado. Na sexta-feira 13, transportaram a loucura da Síria e do Oriente Médio para Paris.

    Mesmo que EUA, Rússia e Europa formem coalizão fenomenal e aniquilem o Estado Islâmico, outro grupo do mesmo tipo o sucederá, como o Estado Islâmico sucedeu a Al Qaeda.

    Esses grupos têm origem e sustentação no desarranjo das sociedades árabes, oprimidas há décadas por ditaduras brutais e mesquitas radicais. Em pleno século 21, vivem em estruturas sociais de séculos passados. Retrocedem. Tanto que entre as três maiores potências regionais do Oriente Médio hoje —Turquia, Israel e Irã—-, nenhuma é árabe.

    Mas, no terrorismo, avançam. O Estado Islâmico é a Al Qaeda 3.0, nascida para suceder a organização de Bin Laden fazendo uso de toda a experiência jihadista acumulada e de tecnologias mais modernas e poderosas.

    Os atentados de Paris seguem a mesma estratégia da Al Qaeda de buscar alvos icônicos e ações espetaculares com máxima letalidade, mas com visão voltada à era da globalização e da comunicação. E o terrorismo é a forma mais brutal de comunicação.

    Depois de conquistar e reter grandes cidades e territórios, anunciando o novo califado, o Estado Islâmico ganhou aura de poder e vitória que tornou o apelo jihadista ainda mais forte.

    Seus filmes de terror, com pessoas decapitadas, crucificadas, afogadas, esquartejadas e queimadas, ao vivo, são perversa e magistralmente construídos mais para atrair adeptos que amedrontar inimigos.

    É uma mensagem de ódio e violência abraçada com assustadora naturalidade em sociedades já brutalizadas e radicalizadas. É comum parentes, amigos e vizinhos de terroristas atrozes dizerem que eles até então pareciam pessoas normais, em lares normais. Este é o ponto.

    Atrocidades como a de Paris, por mais abomináveis que sejam, ocorrem com frequência em várias cidades do mundo árabe e islâmico, com pouca consequência a não ser para as suas milhares de vítimas, na casa das centenas de milhares, a enorme maioria delas muçulmana.

    Paris pelo menos comoveu o mundo e mobilizou exércitos. Vamos ver por quanto tempo. Será uma batalha que o Estado Islâmico e os jihadistas anseiam. Ao reivindicar a autoria dos ataques em Paris, o grupo fez questão de lembrar a importância da França na para eles eterna batalha entre a Europa cristã e o islã.

    Foram os franceses que lideraram as Cruzadas e, séculos mais tarde, contiveram as tropas muçulmanas depois de elas conquistarem a Espanha. Foram os franceses também —agora em nome do laicismo, não mais do cristianismo, uma vez que evoluíram—, que barraram por lei o uso em público do véu islâmico pelas mulheres, um símbolo de opressão de gênero que absurdamente para alguns se tornou símbolo de liberdade.

    A guerra contra o Estado Islâmico poderá ser vencida pela aliança russo-ocidental. Mas o que o sustenta, não. Para isso, o Oriente Médio terá de mudar, por dentro. O fracasso da Primavera Árabe mostra como será difícil.
    Nessa luta, o resto do mundo tem pouco a fazer de efetivo. Intervenção estrangeira não dá certo, como ficou claro no Iraque. Não intervenção também não, como ficou claro na Síria.

    Depois de tanto desaforo, o Ocidente vai erguer barreiras e leis mais duras para se proteger. Quanto aos muçulmanos, de longe as maiores vítimas desse mal, eles só poderão ser salvos por eles mesmos.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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