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    Sérgio Malbergier

    Ipea culpa capitalismo pela corrupção

    14/01/2016 10h56

    Minha frase preferida sobre a classe média é da filósofa petista Marilena Chaui: "Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante". Era 2013, e Chaui dizia para Lula e plateia, então sorridentes, que não gostava de a classe pobre ascendente ser chamada de nova classe média pois esta seria inimiga do povo. Está no YouTube.

    Preconceito de classe semelhante apareceu na Folha de domingo, na imperdível entrevista da "Ilustríssima" com o sociólogo Jessé Souza, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Souza criou a tese de que a classe média é tola, capacha dos ricos e que vai às ruas indignada seletivamente pela corrupção estatal porque é enganada pela grande imprensa em conluio com a elite financeira mundial para manter o controle das riquezas planetárias —ou pelo menos foi isso o que eu entendi do que ele falou.

    Para Souza, a culpa da corrupção é do capitalismo, não dos corruptos e dos corruptores (alô Lava Jato, prendam o capitalismo!).

    Para Souza, a classe média é forçada a pagar impostos escorchantes para financiar o custo da dívida pública que favorece sobretudo essa elite demoníaca. "O pagamento de juros para essa meia dúzia e seus colegas estrangeiros —o único aspecto que ninguém nem sequer pensa em cortar em ocasiões de crise— compromete, por exemplo, o investimento em educação e saúde de qualidade para todos", diz ele. E prossegue: "Dilma tentou comprar essa briga no Brasil, enfrentando o grande capital especulativo. Hoje fica claro que esse pessoal não a perdoou pela ousadia".

    Souza ignora o fato de que toda a tal elite financeira defende a redução da dívida pública e criticou veementemente sua expansão sob Dilma (justificada por ela como necessária para sustentar emprego e avanços sociais). E sugere que estaremos melhor se não pagarmos os juros da dívida.

    O mais incrível não é o que Jessé Souza propõe, mas o fato de ele ser presidente do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada, que até alguns anos atrás era um dos mais respeitados institutos de pesquisa socioeconômica do país.

    O Ipea, órgão do governo federal, começou a descer a ladeira antes do Brasil, mas já era um alerta —como muitos que não foram ouvidos ou, mais comum, foram ouvidos e nada se fez. Conhecido como uma instituição profissional de alta qualidade, o instituto mudou com a nomeação em 2007 do professor de Economia da Unicamp e militante petista Marcio Pochmann. O aparelhamento foi crescente, assim como as críticas. Nas vésperas das eleições de 2014, o Ipea chegou a suspender a divulgação de pesquisa que mostrava aumento da miséria no país, provocando protestos (corajosos) do próprio diretor da área. Quando os números foram divulgados, em novembro, logo depois da reeleição de Dilma, o Brasil soube que pela primeira vez em uma década o número de brasileiros em condição de extrema pobreza tinha voltado a subir.

    Para Souza, é tudo culpa dessa elite que quer o mal de todos e engana a todos num conluio universal do qual o Brasil precisa se libertar.

    Souza pensa exatamente como pensavam os "progressistas" de séculos anteriores, o que não o impede de se autoproclamar inovador e renovador. Mas ele é somente mais uma tentativa de desviar a culpa dos crimes e dos fracassos desse governo e dessa visão de mundo reacionária e conservadora.

    sérgio malbergier

    Escreveu até abril de 2016

    É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".

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